Val Becker, da Rádio Graviola, e André Buda, idealizador do programa O Método Buda do Controle Mental, da Internova Rádio Web, compartilham dicas
Texto Lucas Vieira
Fotos Unsplash e Monica Ramalho
São mais de cem anos transmitindo música e informação e resistindo aos boatos de que seus dias estão contados. Longe da ideia de que será substituído por outras mídias, o rádio segue na internet como um meio de comunicação popular nas casas brasileiras. Segundo pesquisa realizada pela Kantar IBOPE Media, o consumo de web rádios no Brasil cresceu 186% entre os anos de 2019 e 2021.
Entre as transformações mais significativas, a conversão para o formato online foi revolucionária para o rádio. A liberdade proporcionada pela internet tenta furar a hegemonia das grandes empresas de comunicação. Hoje, colocar no ar uma web rádio é muito mais simples do que tentar espaço em uma emissora tradicional.
O radialista André “Buda” cresceu com a rádio. Com ouvido colado na Fluminense FM, foi educado com a programação alternativa da estação: “Ali sempre teve a preocupação com o novo e a diversidade. Tinha heavy metal mas tinha Mutantes, a turma do Lira Paulistana, Kraftwerk, o recém-nascido hip hop paulistano. Isso despertava o interesse pela novidade”.
Já a aproximação com a rádio online veio através de um convite de Fábio Bridges, apresentador do programa Pequenos Clássicos Perdidos, na época transmitido pela web rádio Antena Zero: “Achei muito interessante aquela interação por chat. Depois descobri que qualquer um com uma boa proposta poderia chegar e oferecer um projeto. Tive a ideia de um podcast, que batizei como O Método Buda do Controle Mental. Isso foi em 2014, era para ter uma edição só, mas o Fauzi Júnior, da extinta Vinil FM, ouviu e me convidou para fazer um programa lá”.
No ar desde 2015, O Método Buda do Controle Mental é exibido atualmente na Internova Rádio Web, com estreia às quintas-feiras (19h) e reprise aos sábados (17h). No programa, André debate temas relacionados à música e cultura pop com convidados, além de apresentar um setlist unindo clássicos e músicas novas: “De modo geral, o rádio tradicional se transformou no ‘pagou, tocou’. É inútil, caça-níqueis. Eu me preocupo em ser fonte de informação e novidades para quem quer indicações e gosto muito de ter também as minhas fontes, que busco na rádio web”.
Ainda sobre as diferenças entre o FM e a web rádio, o apresentador acrescenta: “O online é a continuação do que foi a rádio tradicional dentro do esquema do it yourself (“faça você mesmo”). Já que nas grandes emissoras não tem gente que ama a música dirigindo o segmento, hoje as rádios webs se apresentam como uma alternativa que é muito barata de se fazer, atinge o mundo todo e é um espaço que perpetua a necessidade de mostrar o que está rolando, de apresentar as novas bandas que estão tentando acontecer. Além disso, existe o desafio de se manter atento ao que está acontecendo para transmitir as novidades para a audiência, que costuma ter entre 35 e 50 anos, e quer descobrir as novidades da música através dessa relação romântica com o rádio”.
Com a popularização dos podcasts, muito consumidos nos últimos cinco anos, o formato do programa de rádio reforçou sua relevância. Com sua origem em 2004, a mídia segue em crescimento no Brasil e no mundo, tendo ultrapassado a era do download e atingindo seu auge nas plataformas de streaming. Contando hoje com possibilidades de transmissão em vídeo e muito visado por patrocinadores, o podcast teve crescimento de 132% no pós-pandemia, segundo pesquisa do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic), provando que este desmembramento dos programas radiofônicos se tornou uma grande companhia na hora de lavar a louça ou de enfrentar o trânsito.
Se hoje o formato de rádio online está consolidado, o cenário era diferente em 2008, quando surgiu a Web Rádio Graviola. Jornalista natural de Porto Alegre, Val Becker teve a ideia de criar a própria rádio quando trabalhava como divulgadora de artistas para um selo fonográfico. Com a dificuldade de colocar projetos que acreditava nas emissoras tradicionais, a produtora resolveu encontrar uma forma de disponibilizar esses trabalhos para o público.
Depois de abandonar o trabalho no mercado fonográfico, decepcionada com a dificuldade de emplacar os artistas sem o famoso esquema do “jabá”, Val trabalhou como coordenadora de um site da área de saúde, onde recebeu um informativo que dizia que era possível criar sua própria rádio: “Nesse trabalho eu aprendi alguma coisa de programação e na mesma época comecei a fazer um blog de poesia. Havia muito pouca informação naquela época sobre como criar uma rádio online. Era o momento do auge dos blogs, o podcast ainda engatinhava, era muito nichado. Era como falar de NFT, Metaverso, há quatro anos atrás.”, relembra. “O material que recebemos tinha muita coisa gringa e eu fui devorando tudo, mesmo sendo uma época em que meu inglês ainda não era muito legal e os tradutores digitais não eram muito bons. Não havia Google Translator, não tinha tutorial no YouTube, nada como é hoje”.
A Rádio Graviola entrou no ar gravada e disponível para download, embora conceitos como streaming e podcast ainda não eram populares naquela época: “Não existia streaming. Se existia era algo tipo Flintstones e a gente nem ouvia falar. Para fazer a rádio nesse começo, gravava as vinhetas na sala de casa, mandando os cachorros calarem a boca. Misturei as chamadas com uma música minha, com medo dos direitos autorais. Na hora de montar o programa eu gravava minhas locuções no Audacity e juntava com as músicas em mp3 no WinAmp. Foi assim que descobri esse treco chamado podcast”.
Sobre a diferença entre ouvir música no streaming e em uma rádio digital, Val comenta: “O que muda é a curadoria. Nas plataformas você vai ouvir uma seleção baseada no seu algoritmo. O que você ouve na nossa rádio, por exemplo, é o DNA Graviola, músicas que têm a nossa identidade e dos nossos apresentadores. A gente já tocou mais de 1500 bandas de 200 municípios, de todos os estados brasileiros. Nossa programação é formada por 80% de músicas independentes e o resto por clássicos que não tocam mais no rádio, música instrumental, entre outras escolhas que fazemos pensando na nossa identidade”.
Em 14 anos a Graviola foi acompanhando e se tornando parte do desenvolvimento da web rádio no Brasil: da rádio gravada para a transmissão em tempo real, passando pela integração das redes sociais no cotidiano dos brasileiros e o surgimento das plataformas de streamings. Com o passar dos anos, colaboradores e parceiros integraram o cast da rádio com programas duradouros, como o Clube do Vinil, apresentado por Maurício Gouvêa do Sebo Baratos da Ribeiro desde 2010. Além disso, a rádio que hoje tem média de 50 mil ouvintes mensais também participou de momentos históricos, como a transmissão mundial do evento do Dia Nacional do Choro ao vivo.
Após muitas coberturas, experiências com diversas plataformas, e até sobrevivência a um ataque hacker, a Graviola se tornou também uma produtora independente de podcasts e lançou em 2016 uma coletânea em CD com 30 artistas independentes brasileiros. Nesse percurso, a rádio foi vencedora de três prêmios Profissionais da Música na categoria “Melhor web rádio”, além de ter sido indicada ao Prêmio Especial do Júri da APCA e Val indicada como “Melhor Radialista” no WME.
O que é preciso para ter sua web rádio hoje? Val Becker, que ministra cursos sobre o assunto, separou algumas dicas para os leitores da Revista Balaclava sobre como começar sua rádio do zero. Confira:
Notebook e internet: “Não é necessário um PC incrível, mas um processador ruim e pouca memória RAM impactam na hora de gravar, renderizar e fazer upload. Um intermediário funcionará bem. Eu uso uma internet de 100MB, que é suficiente para subir com tranquilidade arquivos de 300 a 400MB, que costuma ser o tamanho dos programas da rádio.”
Microfone: “Por muito tempo usei um daqueles comuns de reunião mesmo, mas hoje em dia tem modelos mais sofisticados, alguns ligados ao mercado dos games. Indico aqueles kits completos com microfone, fone, pop filter e até girafa, que saem em média de R$200. Não é o melhor equipamento do mundo, mas vai entregar um material com qualidade”.
Interface de áudio: “Se o seu microfone for USB a interface é opcional. Mas é um equipamento interessante para fazer entrevistas, por exemplo, em que você pode ligar dois microfones diferentes e captar as vozes separadas”.
Gravador: “Se a pessoa for gravar algo na rua, uma entrevista, pode fazer até pelo celular que funciona. Nessa opção, tem microfones de lapela super fáceis de usar, plug and play, que captam em até dez metros. Eu uso um Zoom H2, que funciona tanto como microfone quanto como gravador. É um modelo um pouco antigo mas ainda funciona bem e tem um visual meio retrô. Um conselho importante é: jamais faça externas com um gravador sem usar fones e preste atenção nas entradas para não plugar o equipamento de forma errada e perder a gravação”.
Armazenamento: “É importante ter um HD externo e/ou comprar um plano de armazenamento de arquivos em algum drive digital, para manter o backup dos programas e das músicas que são executados na rádio.”
Editor de áudio: “Desde o começo da rádio uso o Audacity, que é gratuito e intuitivo. Se a pessoa for habituada com outros softwares, como o Reaper, por exemplo, não tem problema. O melhor software é o que você sabe usar”.
Áudios gratuitos e efeitos sonoros: “Gosto muito de usar o Looperman, que é um banco de dados de loops de direitos livres. É ótimo para utilizar pedacinhos de músicas para criar as vinhetas. Além dele uso o Freesound, onde encontro efeitos sonoros como campainha, buzina de carro, sinais sonoros, entre outros”.
Site e e-mail: “Hoje a Graviola está no WordPress, mas para quem não sabe ainda como editar, mexer com os códigos, eu indico o Wix, apesar de ser necessário pagar a anuidade. O WordPress tem planos interessantes que também disponibilizam email, estou usando o da Hostinger”.
Colocando a rádio no ar: “O Brlogic é a plataforma central onde a Rádio Graviola é montada. Ele possibilita montar a programação e organizar todos os arquivos: os textos, os programas gravados, os blocos de música, vinhetas, cards, tudo. Dou a dica de separar tudo por pastas, da forma como a pessoa se entende com os arquivos, como se fosse o próprio computador. Ele também mostra as estatísticas gerais, os países onde a rádio está sendo ouvida e tem a função de servidor para criar um site, caso a pessoa prefira criar direto por ele.”