Cleber Facchi escolhe 10 destaques do catálogo da Balaclava Records

O crítico musical e criador da página Música Instantânea se debruçou nos álbuns lançados pelo selo para elencar os seus trabalhos preferidos da última década

Texto Cleber Facchi

A princípio, a ideia de Fernando Dotta e Rafael Farah para a Balaclava Records era promover o próprio trabalho: o disco Unrest, debut da Single Parents, lançado em 2012. Porém, três anos depois, o selo organizava a primeira edição do festival que leva o seu nome. Não à toa, de cara, Mac McCaughan e The Shivas foram os primeiros headliners do evento. Definitivamente, o projeto já havia se transformado em algo muito maior. Em um intervalo de pouco tempo, eles consolidaram uma identidade única, montaram um catálogo consistente e cativaram um público fiel. 

Parte desse resultado veio do esforço dos dois parceiros em promover uma seleção de artistas marcados por um direcionamento estético bastante similar. Neste ponto, o posicionamento do duo remonta a atuação de equivalentes estrangeiros, como Captured Tracks e Merge Records, duas das principais referências dos fundadores. 

Não por acaso, a primeira leva de lançamentos do selo parecia guiada pelo mesmo som empoeirado e altamente lisérgico que ecoava no cenário internacional, vide a ascensão de artistas como DIIV e Mac DeMarco. 

Entretanto, a Balaclava teve tempo para expandir seus domínios e apontar para novas direções criativas. São trabalhos que vão do pop nostálgico, como o do grupo carioca Séculos Apaixonados, ao som labiríntico da banda potiguar Mahmed, das batidas eletrônicas de artistas como Nuven e Nelson D, ao fino toque de brasilidade que marca a obra de Giovani Cidreira. De fato, é difícil imaginar a produção brasileira dos anos 2010 sem a presença deles. Desde a sua formação, foram mais de 130 registros lançados entre álbuns de estúdio, singles, discos ao vivo, coletâneas, remixes, colaborações e até iniciativas produzidas por artistas estrangeiros, como Who Me? (2015), do uruguaio Juan Wauters. 

Trata-se, portanto, de um catálogo em pleno processo de expansão e que continua buscando novas possibilidades, haja visto a frente de lançamentos do último ano, como Pacífica Pedra Branca, de Jennifer Souza, e Olho de Vidro, de Jadsa. Esse último, indicado na categoria de Álbum do Ano, no Prêmio Multishow. Contudo, uma vez imerso nesse vasto acervo, permanece a pergunta: por onde começar? Para auxiliar nesse processo e celebrar os dez anos do selo, trago uma seleção de discos que considero essenciais. Eles ajudaram na consolidação da gravadora, deram voz a nomes importantes da nossa música e movimentaram a cena brasileira de forma bastante significativa.

Single Parents – Unrest (2012)

É aqui onde tudo começou! Originalmente lançado como parte do projeto Álbum Virtual, do hoje extinto site da Trama Virtual, o LP que teve parte das gravações realizadas em Nova York, no The Seaside Lounge Studio, costura deliciosamente o passado e o presente da cena alternativa. São ecos de My Bloody Valentine e Ride, porém, dentro de uma linguagem própria do trio formado por Fernando Dotta (voz, guitarras), Anderson Lima (baixo) e Rafael Farah (bateria). São canções ancoradas em conflitos sentimentais, medos e relacionamentos fracassados. Vale ressaltar a participação de Kotono Sato – violinista que já tocou com Beyoncé e Kanye West – na faixa “Stop Waiting (For Me Now)”.

Gostou do disco? Experimente o disco Intropologia (2012), da dupla gaúcha Medialunas, A Lifetime A Minute (2014), da banda The Soundscapes, e o EP Transition (2017), do Kill Moves.

Séculos Apaixonados – Roupa Linda, Figura Fantasmagórica (2014) 

De todos os trabalhos lançados pelo selo nesses dez anos, Roupa Linda, Figura Fantasmagórica segue como o mais singular. Estreia do coletivo carioca Séculos Apaixonados, formado por Gabriel Guerra (voz e guitarra), Lucas de Paiva (teclado e saxofone), Felipe Vellozo (baixo), Arthur Braganti (Teclado e Voz) e João Pessanha (bateria), o álbum de oito faixas encanta pela estranheza do repertório que soa como uma viagem de ácido ao som do compositor brasileiro Guilherme Arantes. São canções como “Um Totem do Amor Impossível” que apontam para o pop empoeirado da década de 1980, porém, dentro de uma linguagem totalmente inusitada. Antes de encerrar as atividades, em 2019, o grupo ainda lançaria outros dois trabalhos: O Ministério da Colocação (2016) e Suspenso Graças ao Princípio da Insignificância (2018). 

Gostou do disco? Então é hora de explorar o Disco Demência (2016), da Hierofante Púrpura, os registros da banda Relações Públicas – um dos inúmeros projetos paralelos de Gabriel Guerra – e as canções do misterioso ABC Love.

Mahmed – Sobre a vida em comunidade (2015) 

Ouvir as canções do disco de estreia do grupo potiguar Mahmed é como se perder em um labirinto de sensações. Do início, na delirante “Aaaaaaaaaaaa”, até alcançar a última “Medo e Delírio”, cada fragmento do trabalho produzido por Walter Nazário (guitarra, sintetizadores), Dimetrius Ferreira (guitarra), Leandro Menezes (baixo) e Ian Medeiros (bateria) encanta pela riqueza dos detalhes e da criativa combinação de elementos. que vai da atmosfera jazzística dos discos da estadunidense Tortoise à melancolia do trip-hop do Portishead. Há também instantes em que o quarteto parece brincar com as possibilidades dentro de estúdio, conceito que seria ampliado de forma ainda mais sensível em outras oportunidades, como no EP Ciao, Inércia (2016) e no posterior Sinto Muito (2018). Para ouvir e viajar.

Gostou do disco? Mergulhe de cabeça nas experimentações da banda paulistana Meneio, no álbum TBC (2016) – do grupo pernambucano A Banda de Joseph Tourton – e no rock matemático de Memorandos (2021), grande obra da dupla sergipana Taco de Golfe. 

Supercordas – Terceira Terra (2015) 

 A banda encabeçada por Pedro Bonifrate preserva a forte lisergia dos registros já citados nesta lista, mas, mergulha em temas políticos e composições que tratam de um futuro pós- apocalíptico. São músicas como “Itinerarium Extaticum In Temporalibus”, “Fundação Roberto Marinho Blues & Co.” e a própria faixa título do LP. Todas elas são marcadas pelo contraste entre o delírio sonoro e a sobriedade temática das letras. Maior e mais complexo a cada nova audição, esse foi o último trabalho do grupo que encerrou as atividades no ano seguinte. 

Gostou do disco? Siga pela mesma trilha psicodélica e ouça os trabalhos de artistas como Walfredo em Busca da Simbiose e Marrakesh.

Nuven – Partir (2016) 

Primeiro grande lançamento do selo totalmente voltado à produção eletrônica, Partir, estreia de Gustavo Teixeira – o Nuven – concentra o que há de melhor e menos previsível dentro do estilo. São pouco mais de 20 minutos em que o produtor paulistano parece brincar com a sobreposição dos elementos de forma sempre surpreendente. São canções montadas a partir da fragmentação das batidas e do uso complementar das vozes, proposta que ora aponta para a obra de veteranos como Aphex Twin e Boards of Canada, ora faz lembrar de nomes recentes como Four Tet e Caribou. Entre as composições que recheiam o trabalho, acertos como a introdutória “Vista”, “Escape” e “Entre Águas”. 

Gostou do disco? Então siga pela trilha eletrônica de lançamentos de Nelson D, RØKR e Vivian Kuczynski.

Giovani Cidreira – Japanese Food (2017)

O segundo álbum de Giovani Cidreira dá passagem para um repertório cada vez mais voltado aos ritmos nacionais. Desde a primeira música (“Movimento da Espada”) até a última (“Crimes da Terra”), o cantor e compositor baiano estabelece um precioso alicerce criativo na combinação de estilos e referências. São canções que dialogam com a obra de Milton Nascimento e Legião Urbana, ao passo em que também têm uma linguagem totalmente atualizada e própria do artista. 

Gostou do disco? É hora de escutar as canções do grupo carioca Do Amor e o material entregue em Um (2021), estreia do cantor e compositor Pedro Sá.

E a terra nunca me pareceu tão distante – Fundação (2018)

Fazer música no Brasil está longe de parecer uma tarefa fácil. E quando falamos sobre a produção instrumental, sempre voltada a um nicho bastante específico, o desafio é ainda maior. Ainda sim, contra todas as dificuldades do estilo, os paulistanos do E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante se firmaram como um dos nomes mais interessantes do gênero e também conquistaram uma parcela expressiva do público. Depois de uma sequência de ótimas composições, a banda formada por Lucas Theodoro (guitarra), Luccas Vilella (baixo), Luden Viana (guitarra) e Rafael Jonke (bateria) deu vida ao maduro Fundação, disco que preserva a essência de veteranos como Mogwai e Explosions In The Sky, mas surge a partir de uma abordagem própria do quarteto. 

Gostou do disco? Talvez você se interesse por Saudade (O Corte 腹切り) (2018), último EP da Ventre, e as criações da banda mineira Lupe de Lupe.

Terno Rei – Violeta (2019) 

Se no início da carreira, a banda formada por Ale Sater (voz e baixo), Bruno Paschoal (guitarra), Greg Vinha (guitarra) e Luis Cardoso (bateria), parecia investir em uma sonoridade enevoada, marca do introdutório Vigília (2014), o grupo se permitiu provar novas possibilidades com o LP seguinte, Essa Noite Bateu Com Um Sonho (2016). Um ensaio para que viria a ser o posterior Violeta (2019). Entre versos confessionais e arranjos nostálgicos, por vezes íntimos do pop rock produzido na década de 1980, o álbum cresce como uma coletânea de faixas que continuam a ecoar na cabeça, mesmo após a audição. 

Gostou do disco? Aproveite para conhecer o trabalho da Cabana Café, Vella, Mannequin Trees e Gab Ferreira.

Jadsa – Olho de Vidro (2021)

Jadsa já havia dado uma boa mostra do próprio talento com o lançamento do curioso Taxidermia Vol. 1 (2020), produto da sua parceria com o multi-instrumentista e produtor João Milet Meirelles. Contudo não é nada que se compare à riqueza encontrada em Olho de Vidro (2021). O primeiro álbum de estúdio nasce como uma colorida combinação de elementos, que transita por diferentes campos da música brasileira de forma tão inventiva quanto referencial. Composições que resgatam elementos da obra de Gal Costa e Itamar Assumpção, mas também aludem a nomes recentes da cena brasileira, como Josyara, Ana Frango Elétrico, Kiko Dinucci e Luiza Lian. 

Gostou do disco? Conheça as outras mulheres incríveis do selo, como ÀIYÉ e seu EP Gratitrevas (2020) e Rita Oliva, no primeiro disco do PARATI, Superfície (2015).

Jennifer Souza – Pedra Pacífica Branca (2021)

Conhecida pelo trabalho como integrante da banda mineira Moons, Jennifer Souza criou um dos registros mais sensíveis da música brasileira recente. Sequência de Impossível Breve (2013), a obra de nove faixas se revela ao público em pequenas doses e sem pressa. São delicadas camadas instrumentais e ambientações jazzísticas que encantam pela economia dos elementos. Um precioso exercício criativo que ganha ainda mais destaque na vulnerabilidade explícita nos versos de “Ultraleve”, “Serena” e “Oração ao Sol”. 

Gostou do disco? Além do Moons, o mesmo refinamento estético pode ser percebido nas músicas de Apeles, Quarto Negro e Câmara.

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