Ao longo dos últimos anos, a artista soma colaborações com diferentes nomes da cena nacional. De novos nomes a ídolos da adolescência, Letícia Novaes lembra a história por trás de 10 encontros especiais.
Texto Renan Guerra
Foto Rodrigo Masina Pinheiro
Arte Ton Zaranza
O segundo disco de Letrux, Letrux Aos Prantos, saiu quando a pandemia se fechou no Brasil, em março de 2020. Ela e a banda ainda não subiram aos palcos e esse disco nunca foi tocado ao vivo. Com a falta de shows, ela pediu um desconto em seu aluguel, mas a locadora propôs no máximo R$ 100,00 a menos na conta. Aí ela entregou o apartamento, e foi para uma casa no interior do Rio de Janeiro, em São Pedro da Aldeia, morar na casa onde passava as férias na infância.
De lá fez lives, escreveu textos e produziu novos lançamentos: um livro, uma releitura de algumas faixas do segundo disco, chamado Aos prantos pandêmicos, uma série de singles e até mesmo seu novo podcast. Em março saiu o livro “Tudo que já nadei: ressaca, quebra-mar e marolinhas”, pela Editora Planeta, uma reunião de poesias quase-crônicas de diferentes tempos. O livro estava quase pronto quando veio a pandemia, então a data de lançamento foi adiada para que ela pudesse também refletir sobre as mudanças causadas pelo isolamento social e a covid.
Nesse se debruçar sobre o tempo e o passado, Letícia Novaes ainda acabou resgatando faixas que estavam perdidas em lives, shows e cadernos. Com isso ela lançou uma série de singles agora em 2021, com faixas diversas e múltiplas lançadas agora de forma oficial. São eles “I’m Trying To Quit”, “Isso Aqui é Um Campo Minado” e “Sai da Minha Cabeça”. E além disso, ainda lançou seu podcast Taradas por Letras, ao lado da Leïlah, em que elas conversam sobre canções e composições que as emocionam, as movem, as tocam.
Enfim, bastante coisa! E neste 2021, Letrux ainda contraiu covid, o que a deixou com apenas 30% do olfato. Sem esse sentido, lá vieram cenas de Letícia queimando pães, não identificando comida estragada e quase comendo uma pratada de camarões podres, mas que aos seus olhos pareciam fresquinhos. Mas como ela diz, “eu vou reclamar até o fim dos dias do governo Bolsonaro, mas ainda sou uma pessoa privilegiada, estou com casa, morando perto da natureza, então existe toda uma consciência de que estou bem perto de muita gente, inclusive da minha classe, como técnicos de som, de luz”.
E entre todas essas coisas de sua carreira e da situ do Brasil, Letrux arranjou um tempo para passar metade da tarde batendo-papo comigo. Dessa nossa longa conversa saiu um episódio para o podcast Vamos Falar Sobre Música, o Clássicos VFSM sobre o disco Marina Lima (1991), de Marina Lima, e também essa matéria aqui. Propusemos a Letrux revisitar suas parcerias e colaborações musicais e ela separou dez canções que ela ama, que ela se divertiu e que gostaria de compartilhar essas histórias. Saiba o que ela contou sobre cada encontro:
“Mertiolate” é um poema da Bruna Beber, do primeiro livro dela, “A fila sem fim dos demônios descontentes” (2006). A Bruna é uma das minhas melhores amigas, com quem eu fiz “Que Estrago”. O Pedro me mandou um e-mail: “Letícia, musiquei um poema da sua amiga Bruna”. Quando eu ouvi, falei: “Nossa, que delícia!”. Foi bem fácil dizer sim para essa parceria, porque é um poema da Bruna e ele realmente fez um trabalho muito legal de arranjo e melodia, essa canção é muito gostosa.
O João Paulo Bonfá, que assina JP Bonfá, é filho do Marcelo Bonfá, baterista da Legião [Urbana]. Ele fez uma música chamada “Booty Call” e me pediu a letra e foi uma delícia. É realmente uma coisa que me dá prazer, eu acho, mais do que às vezes fazer o feat e cantar, é engraçado. Nessa música eu canto também, mas na hora de fazer a letra, parece que eu fico assim dururu [ela faz sons de alegria]. E o João Paulo é muito do rock, que é a minha escola também, de alguma maneira. E aí eu trouxe uma voz e uma letra que é muito… Eu penso: “Oh, this is good!”. A gente nunca conseguiu se encontrar, nem fazer esse feat ao vivo, pois foi um pouco antes da pandemia começar.
Essa parceria não tem composição minha, mas foi uma coisa legal que aconteceu. No meio da pandemia, eu e a Iolly Amâncio fomos chamadas para participar da coletânea Replay – Acabou Chorare, em que convidaram vários artistas contemporâneos para homenagear esse grande disco dos Novos Baianos. A Iolly é uma cantora aqui do Rio de Janeiro, da Baixada, tem uma banda chamada Banda Gente, e a minha história com ela é engraçada, porque ela foi um pouco meio que o Letuce com a Marina. Um dia eu fui dar uma palestra no Oi Futuro para cantoras e compositoras mulheres. E no final ela chegou assim “qual o seu e-mail?”, eu dei meu e-mail, ela me mandou “Letrux, eu te admiro muito, queria muito que você fizesse um feat na minha banda” e eu “uau”, ouvi a música e achei gostosa. Ela ainda não lançou a música da banda por causa da pandemia, mas no meio tempo, a gente conseguiu fazer esse feat. E foi a primeira vez que eu voltei pro Rio depois de quatro meses, então entrei no estúdio e parecia Matrix – “uau, pessoas ainda existem, coisas ainda existem”. Ter gravado com ela foi muito emocionante. E é uma música dos Novos Baianos que eu não sei, me dá vontade de chorar um pouco, “abre a porta e a janela”, sei que é hippie, uma letra hippie, mas eu encaro, eu embarco nessa letra. Então, essa parceria, apesar de não ter composição minha, é uma coisa que eu tenho carinho.
Essa eu também não tenho parte na composição, mas foi um convite irrecusável de Juliana Linhares para o primeiro disco solo dela, Nordeste Ficção (2021). Ela falou “Letrux, vamos cantar uma música de Tom Zé”. Eu falei: “meu deus, que responsa”, até dei uma tremida. Dei uma pirada com ela, só que ela é intérprete, e eu sou compositora, então quando vem uns convites assim eu fico – “será que eu consigo?”. Uma coisa é cantar, sei lá, o poema da Bruna, que é minha amiga, mas Tom Zé com uma cantora que é uma puta intérprete, que nem a Juliana, eu dou uma tremida. Mas ela foi muito querida falando: “não, você fica à vontade, faz o que quiser”. E é uma letra absurda, uma letra surrealista, e no final a gente faz uns gemidos, então, é uma parceria meio cômica, meio sexy, meio lânguida. Me diverti muito e eu admiro muito a Juliana.
Tem uma banda do Rio que se chama Biltre e eu tenho muita ternura por eles. São meninos que prezam pelo bom humor, tudo sobre Biltre é piada, é engraçado, é da comédia. E eu amo isso, gosto muito. A minha parada é essa, eu faço música engraçada, e eu amo quem assume isso e faz mesmo. Eles me chamaram para um feat chamado “Vamos gozar”. Como eu falei da música da Juliana Linhares, que eu termino gemendo, lembrei que a música da Biltre não tem gemidos, mas é sobre gemidos. A gente gravou um clipe em que eu sou uma ET, o Vicente é outro ET e a gente goza com as anteninhas, é hilário. O último show que eu fiz antes da pandemia foi participar do show da Biltre, num festival gigantesco em Belo Horizonte. Aí depois veio o Carnaval, pandemia e acabou. A última vez que eu pisei no palco foi com a banda Biltre cantando “Vamos gozar” – e aí veio a pandemia dificultando o coito.
Uma parceria com um grande amigo, o Paulo Ho, fizemos teatro juntos, a gente se formou no mesmo, ele participou da minha banda Tru & Tro, que era um grande bacanal maluco, meio teatro, meio musical loucura. O Paulo, que sabe que eu gosto muito de astrologia, falou: “amiga, vou lançar uma música chamada ‘Sinastria’, que fala um pouco sobre uma sinastria amorosa”. E ele não me chamou para cantar, mas para falar e acho que foi uma das primeiras vezes – e isso tem rolado muito, têm várias pessoas me chamando “ah, Letícia, pode só falar?”. Ele me chamou para fazer quase que uma locução, eu abri um livro de astrologia, de português de Portugal, e estava escrito assim: “o carneiro” [Letícia fala com sotaque português]. O Paulo é de Áries, só que em Portugal eles falam “carneiro” e a gente passou mal de rir. Ele falou: “é isso, esse tem que ser o trecho, a gente riu, confirmou que é esse”. Claro que eu não leio com o sotaque português, senão iria ficar um pouco cômico, já que eu iria imitar, não sei falar de forma fluente. Eu abro a minha parceria com ele meio que declamando sobre astrologia, em texto de Portugal, é uma grande loucura. Tenho bastante carinho por essa parceria porque é um amigo, é astrologia, é Portugal, reuniu muitos amores.
É engraçado, eu estou com 39 anos e quando ela me chamou pra fazer essa música, já tinha 35 ou 36. Mas é engraçado lembrar de quando você tinha 30 anos, as coisas que você sentia, então não sei, me deu uma sensação gostosa. Essa música é uma composição minha e dela, e eu também fiz um feat com ela. Gosto muito desse disco da Julia.
Essa não podia faltar, porque foi a glória da vida ter a Marina no “Climão”, que é o disco que mudou a minha vida e a Marina estava lá. A Marina é foda, ela estava lá quando eu conheci meu boy, ela estava lá quando eu precisava que uma artista consagrada me liberasse uma regravação de uma música tão icônica como “Acontecimentos” [no disco Plano de fuga pra cima dos outros e de mim, do Letuce] e ela estava lá quando eu estourei com o “Climão”. Tudo é muito mágico, confirma que Marina é uma madrinha. E eu amo ela na parte falada, eu amo, porque eu sinto que ela também gosta disso, ela tem várias músicas que ela dá umas frases. “Remédio terapia e naufragar” – quando ela botou a voz dela… Eu falei “gente, era isso que estava faltando para essa faixa”. Então é um feat, um dueto, que eu sou apaixonada. E já participei do show dela cantando essa música e era muito divertido.
Eu e a Liniker nos aproximamos muito. A gente sempre teve uma conexão câncer-capricórnio. O primeiro show do “Climão” no Circo Voador foi quando a gente abriu para a Liniker e os Caramelows. Naquela noite, a gente já deu um clique muito de ternura. Com o projeto da Roberta Martinelli, o Acorda Amor, a gente se conectou mais ainda. Eu falei: “amiga, você gravaria um blues no ‘Aos Prantos’?”. Ela arrasa, faz uns vocais que não tem pra ninguém, é o fim do mundo e o início do mundo ao mesmo tempo. Ela faz uns gritos, um ‘uau’ [Letícia imita o som alto], é absurdo, Screamin’ Jay Hawkins, é uma coisa que eu fico “o que é isso?”. Foda!
Eu fui adolescente Cansei de Ser Sexy totalmente, pois eu sou do Rio, tem essa coisa do CSS ser de São Paulo – e você ficava – “isso é maneiro, isso é moderno” –, tinha uma admiração. Nossa, eu era muito assim: “o que CSS está fazendo agora?”. Quando rolou o revival da banda, em 2019, eu estava trabalhando para o Uol, entrevistando os artistas. Gente, que vergonha de lembrar, porque eu não sou jornalista, então eu tenho vergonha de entrevistar artistas. Fui entrevistar quem? O Jack White, do White Stripes, ai meu Deus, eu passo mal. Se alguém falar “você arrasou” num show, eu fico “ok”, mas “você arrasou numa entrevista”, não é a minha área, não sei o que eu fiz. Estava muito nervosa, entrevistando gente gringa – a Tove Lo, por exemplo, foi muito querida, mas era uma tensão, eu estava de fraldas, sabe? Quando o CSS entrou no aquário do estúdio, nossa, parece que baixou o relaxamento. Eu pensei: “nossa, minha adolescência, quem eu era, eu consigo falar em português, essa meninas são foda”. E fiquei muito relaxada, foi a entrevista mais engraçada, divertida. E a Lovefoxxx, eu e ela, a gente ‘tum!”, se olhou e bateu um erê, a gente começou a gargalhar, pareciam duas crianças. E essa música, “Fora da foda”, eu fiz a melodia, só que no final o tom estava muito alto pra mim – porque eu invento os negócios na minha cabeça e depois não consigo fazer. Só que se diminuísse o tom, a outra parte ia ficar muito grave, a gente não sabia o que fazer. Quando eu olhei a Lovefoxxx, eu pensei que seria ela que conseguiria cantar com os agudos dela. Ela estava em São Paulo só pra fazer o Popload e já ia voltar para Garopaba. Tomo coragem ou não tomo coragem?. Tomei coragem e perguntei, e ela falou “claro!”. Ela entrou no estúdio e a gente se divertiu muito, tem até um diálogo nessa música, umas besteiras que a gente fala, que é tudo improviso, tudo improviso! E eu amo muito essa música e tudo que ela trouxe com a voz dela, com o jeitinho dela cantar, sussurrado, faladinho em inglês.