O mistério fascinante de Black Midi

“A gente vê o estúdio e o ao vivo como duas coisas completamente diferentes. Não vamos apenas entrar no estúdio, gravar exatamente como a gente toca ao vivo e deixar por isso mesmo”.

Texto Fernando Dotta
Foto Fabiano Benetton

Entrevista publicada pela primeira vez na quarta edição da Revista Balaclava, em abril de 2019.

Não me lembro da última vez que uma banda me prendeu tanto a atenção como esses quatro rapazes do sul de Londres. Conheci o Black Midi assistindo a uma sessão deles para a rádio KEXP em novembro de 2018. Desde então, saber tudo sobre eles nessa fase inicial se tornou uma obsessão quase adolescente da minha parte.

Com menos de 21 anos de idade – e nem dois anos em atividade –, a banda rapidamente se tornou uma das grandes apostas dos festivais mais disputados do mundo.  O segredo por trás desse sucesso é que o quarteto achou a sua fórmula única em um rock matemático e cheio de referências tortas, que impressionam pela riqueza nos detalhes. Ao mesmo tempo, ali se esconde também um apelo estranhamente pop que parece ser o próximo passo do que estamos acostumados a ouvir no indie e no alternativo atual. 

Tive a chance de entrevistá-los na primeira de suas duas datas de estreia (esgotadas) em Nova York. Vale dizer que eles quase não aceitam dar entrevistas a nenhum veículo e pouco se sabe sobre a banda – parte do charme e do hype está no mistério – mas tive a sorte de conversar com todos, que foram muito simpáticos e agradecidos pelo o que estão vivendo.

Suas turnês estão ficando maiores, com uma série de shows e festivais importantes na Europa e nos Estados Unidos, além de um forte buzz na imprensa e cada vez mais público interessado. Esse momento tem sido de total empolgação para vocês ou há algum medo das coisas estarem acontecendo rápidas demais?

Geordie: Não, isso tem sido nosso sonho. É realmente incrível, não temos do que reclamar. É a melhor coisa que poderia acontecer. É inesperado, mas muito bom, e isso vai nos proporcionar ir além para fazer a melhor música que conseguimos… E inspirar gerações futuras! 

Morgan: Acho que a situação que estamos vivendo é que fazemos tudo no nosso ritmo há um tempo e, quando começamos, nós só queríamos confirmar mais shows. Agora, nós estamos conseguindo fazer as coisas com mais calma mas, ao mesmo tempo, tudo tem acontecido mais rápido. Nós sabemos que somos sortudos em estar nessa posição. 

Vocês assinaram com a Rough Trade, eles falaram com vocês depois de ver o show? Vocês acham importante estar em um selo? 

Cameron: Sim, o pessoal da gravadora viu nosso show no Windmill (bar em Brixton, sul de Londres). Nos ajudam a gravar nossa música, nos dão dinheiro para financiar nossas coisas.

Geordie: Eles fornecem a infraestrutura para lançar um disco com alcance ao redor do mundo, te colocam em contato com pessoas que podem te ajudar e fazer coisas legais junto. 

As primeiras faixas que vocês lançaram bmbmbm e Speedway não estão nas plataformas, apenas no YouTube. Foi intencional? Como vocês conhecem bandas hoje em dia? 

Geordie: Não, a gente não viu motivo em distribuir, quisemos priorizar o lance físico. Consumimos e conhecemos música em todos os lugares, Youtube, Spotify, Last fm. 

Matt: Soulseek é foda! 

Geordie (enquanto come um taco): Eu amo a América pelos tacos de peixe! Incrível. 

Os daqui são melhores do que os da Inglaterra? 

Geordie: Ah, eles nem tem isso lá. Você consegue em alguns restaurantes, mas tacos não são comuns. 

E comida brasileira?

Cameron: Sim, mas não como aqui. 

Geordie: Você tem que ir na casa de alguém…

Morgan: Senão, não será autêntica. 

Matt: Há também umas churrascarias. 

De volta a entrevista… Li que as músicas de vocês surgem de jams, ao mesmo tempo, em que as estruturas são bem acabadas e organizadas… Vocês tem um processo de composição? 

Matt: Acontece de jeitos diferentes. Às vezes, alguém de nós traz um riff ou uma ideia e nós vamos tentando construir juntos no ensaio. Muitas vezes, nós só ficamos tocando por horas, gravamos e escutamos juntos para achar coisas que gostamos e que funcionam como música – isso é como normalmente acontece. 

Geordie: As faixas começam longas e vamos lapidando até encontrar um bom comprimento para aquele fragmento de música. 

Vocês tentaram evitar ter muitas músicas longas neste disco? 

Geordie: Não necessariamente, não somos contra músicas longas, é só um jeito de fazer músicas melhores. 

Cameron: Se o som parece certo para nós, pode soar bem em dois ou oito minutos. 

As letras são a última coisa no processo? 

Geordie: Sim e fazemos isso individualmente. 

Matt: Tem sido assim por enquanto, quem canta é quem escreve.  

Há um tema quando vocês escrevem? 

Matt: Coisas aleatórias. 

Geordie: Para mim, gosto de escrever histórias, ficções. 

Cameron: Nada grandioso, talvez coisas específicas, como uma notícia num jornal local.

Sinto que “Speedway” soa um pouco diferente das outras. Vocês tentaram ter mais beats eletrônicos no disco? 

Geordie: Sim, com certeza. 

Cameron: Sim, mas não estamos forçando.

Morgan: Se há espaço para isso, então vamos nessa. 

O que vocês costumavam escutar quando eram crianças? Que tipo de música tocava na sua casa? 

Matt: Todos os tipos. Um fato aleatório e engraçado é que meu pai costumava escutar Green Day. 

Quantos anos ele tem? 

Matt: 53. 

Morgan: Jovem de alma! 

Cameron: Costumava escutar os discos do Busted. Conhece deles? Curtia muito eles quando eu tinha uns 6 anos. Meu pai me deu discos de David Bowie e artistas desse tipo. E também, Franz Ferdinand. Escutei muito em 2006! Eu colocava esse primeiro disco deles pra tocar todas as noites antes de dormir. 

Geordie: Comecei a gostar de música quando tinha uns 8 anos, passei a escutar coisas como Led Zeppelin, Queens of the Stone Age…depois comecei a gostar de rock progressivo, como Genesis e Yes. 

Morgan: Para mim, cresci tocando em igreja, então tive muito contato com música gospel, depois vim a gostar de bandas como Funkadelic e Parliament.

A música de vocês me intriga porque é técnica mas não de um jeito virtuoso, é quebrada e esquisita mas não inacessível. Parece que toda parte tem um lance especial e me lembra muitas bandas que eu amo, mas com um som único. Bandas que tocam juntas por anos não tem a mesma sinergia e conexão que vocês tem. Como é tentar capturar no estúdio toda essa energia? 

Morgan: A gente vê o estúdio e o ao vivo como duas coisas completamente diferentes. Não vamos apenas entrar no estúdio, gravar exatamente como a gente toca ao vivo e deixar por isso mesmo… Então fazemos vários overdubs e tentamos fazê-las separadas, como elas são de verdade.

Quando vocês estão em turnê, acabam testando ou adaptando essas músicas? 

Geordie: Vários sons tem mudado a cada noite. Há um equilíbrio entre ter as músicas certinhas mas não ensaiadas demais, para não prejudicar a tensão entre a gente.

Morgan: Hoje mesmo, nós mudamos uma parte de uma das músicas durante a passagem de som. 

Cameron: As melhores partes podem vir de erros ou acidentes. Alguém erra ou muda algo e, se o resto gostar, então mudamos a música. 

O que esperar do futuro da banda? 

Geordie: Estamos tentando alcançar uma nova galáxia. Estamos tentando atravessar os oceanos e fazer sons que nunca ninguém escutou antes! Vamos mudar a história da música! 

Matt: Amém, baby.

Morgan: Não saber o que vem pela frente é a parte excitante desse trabalho. Não temos ideia de como vamos soar daqui alguns anos. 

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