Memórias de ABC Love em “15 e poucos anos”

“Quem não gosta daquela pontinha de sacanagem que faz o rosto dos despreparados corar instantaneamente?”

Texto ABC Love

Texto livre publicado pela primeira vez na edição de estreia da Revista Balaclava, em novembro de 2017.

Viagem em família. O ar condicionado está quebrado, viajamos com as janelas abertas. Junto da brisa do mar e o cheiro da maresia, algo não planejado também entra na jogada. 

Uma música. Ela invade o carro, aos poucos ganha volume, mas ainda nada muito claro. O som é curioso e a melodia é estranha. Num estalo, o indecifrável se desnuda e acerta aquela família como um tiro: meu pau te ama.

Acontece como uma bala – quando a música rompe a fronteira do que deve ou não ser dito. Transforma uma criança em um ser tomado pelo tesão. Não dá para negar, a música anda de mãos dadas com o nosso despertar sexual. 

O que dizer da primeira vez em que dançamos com alguém? Você se lembra de como é sentir o calor de um outro corpo? Uau, que delícia! Quando não eram as letras e ritmos cutucando, eram os artistas. Fantasias com o LP da Xuxa 3 rolaram adoidadas em muitas casas dos anos 90. 

Pequenas transgressões, sobretudo sexuais, sempre fizeram sucesso na música. “Você traz a coca-cola, eu tomo. Você bota a mesa, eu como… eu como… eu como… você!”. 

Quem não gosta daquela pontinha de sacanagem que faz o rosto dos despreparados corar instantaneamente? Os mais tarados, ou melhor – mais bem resolvidos – no tema, não fogem da discussão quando se deparam com uma provocação. BOOM! Não tem volta. O ouvido vicia e fica gamado em escutar uma boa besteira. 

Isso excita, levanta curiosidade pelo próprio corpo, o peito aquece e a pele arrepia. Desejos até então desconhecidos são despertados das camadas do inconsciente. Não conhecemos limites com 15 e poucos anos – estamos na busca deles. 

A música aparece certeira nessa hora. Ela nos mostra outro lado da poesia, que antes se passava despercebida. A Bethânia parecia doida antes cantando, “vem me bebendo toda”. E o Fagner que queria ser um peixe, só pra passar a noite – em claro – dentro de alguém… 

E era assim. Enquanto ia desvendando uma letra ou outra, ia também descobrindo nosso próprio corpo e nossos desejos – mas sempre desejando mais.

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