Na homenagem ao pai Lincoln Olivetti, a DJ e produtora musical recriou a composição lançada originalmente pela banda Painel de Controle em 1978. As artistas comentaram a parceria inédita em troca de perguntas:
Texto Isabela Yu
Foto Divulgação
Após finalizar a sua versão de “Cor de Rosa Choque”, hit da Rita Lee e Roberto de Carvalho, para o especial Classix, a DJ e produtora Mary Olivetti prontamente decidiu embarcar em um novo projeto. “Pensei: E agora? Qual é a próxima?. ‘Black Coco’ veio como um relâmpago em um sonho, um sussurro lincolivettiano. Então tomei como se fosse algo que eu deveria acatar”, lembra Mary sobre o início do processo de criação da sua versão da música.
A faixa, lançada originalmente em 1978 pela banda Painel de Controle, foi o primeiro sucesso do seu pai, o maestro e arranjador Lincoln Olivetti. Uma parceria com o cantor Ronaldo Barcellos, “Black Coco” chegou ao topo das paradas das mais tocadas nas rádios e foi trilha de abertura da novela “Te Contei”. “Ela foi o pontapé inicial na carreira do meu pai como arranjador. Ela traz uma atmosfera tropical brasileira que remete ao Nordeste, mas com o groove da soul music setentista”, explica.
Na sua versão, lançada no final de julho, a produtora regravou todos os instrumentos e adicionou novos vocais de Mahmundi e Barro. “Como eu não tinha a multitrack da faixa (todos os canais originais separados), pedi aos músicos para reproduzir fielmente tudo o que havia na versão de 1978. Eu montei minha própria multitrack para depois entender o que eu gostaria de manter ou adicionar”, conta Mary. Entre as mudanças, estão na linha de bateria e nos sintetizadores.
“A percussão deu o calor e tempero nordestinos que faltavam e que tanto gosto. Os vocais de Barro, grande artista pernambucano da nova cena brasileira, fizeram a cama para Mahmundi, que chegou para brilhar nessa nova versão com a sua voz doce, uma verdadeira pérola. Já ouvi dizerem que dá pra sentir felicidade em sua voz para ‘Black Coco’, que lindo.” – Mary Olivetti.
Para Mahmundi, que chegou a trabalhar com Lincoln Olivetti na faixa “Sentimento”, do seu disco homônimo lançado em 2017, a música desperta diversas emoções. “Me traz para um lugar de festa, de vida, uma coisa que naturalmente busco na minha vida pessoal – e que tentamos imprimir naturalmente nas canções”, comenta a artista carioca. Fã do estilo do arranjador, cresceu admirando o seu trabalho com nomes como Rita Lee e Ney Matogrosso.
“Esse grande momento das canções terem orquestras, metais, arranjos de guitarra, esse luxo que o Lincoln trouxe para música era muito visível. Dá pra saber quando é o som dele – e isso sempre me fez conectar com a música dele. Foi um prazer ter uma música minha arranjada por ele, algo maravilhoso. Uma memória que tenho desse encontro foi ele falar que gostava da canção, então receber essa bênção é muito maneiro!”, diz Mahmundi.
Em troca de perguntas, as artistas Mary Olivetti e Mahmundi comentam a nova parceria:
Quando surgiu a ideia de fazer uma nova versão de “Black Coco”?
Mary: Me conectei, mais do que nunca, com a obra do meu pai – (pasmem) – quando ele faleceu. Antes desta triste data, desde a maioridade, me mantinha muito focada na minha vertente de house e dance music. No ano em que o papai nos deixou (2015), o Rock in Rio imediatamente me chamou para idealizar uma homenagem à sua obra. Eu não poderia pecar no repertório, então mergulhei em todos os arquivos, documentos, contratos, relatórios, internet e até contei com a ajuda de pesquisadores musicais profissionais.
Descobri músicas que carregam arranjos do papai que nunca tinha ouvido ou tido informações sobre a sua participação. Por exemplo, “Você é Linda”, do Caetano Veloso, ou “All Star”, de Cássia Eller e Nando Reis. Durante a vida inteira eu cantarolei e nunca soube que o meu próprio pai estava ali. “Black Coco” veio em meio a esta catarse, me derrubou, simplesmente abriu o meu set de homenagem junto à banca completa dele, foi emoção pura.
Muito tempo se passou, e em 2020, comecei a produzir música. Quando finalizei o meu primeiro remix para “Cor de Rosa Choque”, de Rita Lee e Roberto de Carvalho, pensei: “E agora? Qual é a próxima?”. “Black Coco” veio como um relâmpago em um sonho, um sussurro lincolivettiano. Então tomei como se fosse algo que eu deveria acatar.
Você já imaginava contar com vocais da Mahmundi?
Mary: Não, no início pensei em deixar os vocais originais. Mas o trabalho foi ganhando uma forma tão legal que não achei sensato fazer – o que poderíamos chamar de – remix, porque o que eu queria era uma regravação completa. Fiquei bastante tempo pensando em quem poderia cantar e isso atrasou bastante o processo, foi a última etapa. Eu já tinha pensado nela no início das gravações mas não tinha chegado a ligar. Em uma tarde organizando as partituras de papai, me deparei com uma feita para a Mahmundi – e escrita a mão por ele. Seu nome ficou forte na minha mente e resolvi fazer a ligação. Ela recebeu o convite com alegria e fizemos acontecer. Tudo se interligou magicamente, claro que com um toque de “mago Lincoln”!
Mahmundi, qual é a sua primeira recordação de “Black Coco”? O que te chama atenção nela?
Mahmundi: Sempre gostei muito de música que me trouxesse essa coisa do shuffle da rádio. Então eu gostava de toda essa grande festa dos anos 70 e 80, e a “Black Coco” era muito isso, essa vibe, esse refrãozinho… Uma coisa que me trazia para um lugar de festa, de vida, uma coisa que naturalmente busco na minha vida pessoal – e que tentamos imprimir naturalmente nas canções.
Vocês já desejavam trabalhar juntas?
Mary: Nunca havia trabalhado com a Mahmundi, mas a acompanho desde seu primeiro disco, sou muito fã. Acho o conceito de todo o seu repertório genial. Mahmundi é potente, uma das maiores estrelas da nossa música brasileira hoje e ainda tem um futuro enorme pela frente. Tê-la comigo me deixa muito orgulhosa.
Mahmundi: Eu já conhecia o trabalho da Mary, ela é uma mina foda, tá muito conectada com as paradas, gosta muito de música… A gente trocou uma ideia, fomos no estúdio, e foi tudo muito natural – ela é super querida e torço muito por ela. E aí quando ela me chamou pra fazer essa versão, eu fui muito aberta, acho que esse processo é muito dela e eu gosto de quando você é dirigida/orientada por outra pessoa, porque te dá uma perspectiva diferente. Foi massa, fizemos o processo online por conta dessa loucura que estamos vivendo, zooms, trocando ideias, mas foi gostoso… Fazer música pro mundo está sendo muito divertido.
Quais são os próximos planos?
Mary: Por ora tenho diversos outros projetos em curso que não incluem obras do meu pai. Mas sim, vou fazer um remix poderoso de “Babilônia Rock” mais pra frente, outra música que me move demais. Além disso, eu hoje sou a pessoa a frente do catálogo de obras dele e tenho junto à gravadoras alguns projetos super especiais. Temos músicas inéditas, disco de remixes e remasterizações. Entre alguns dos meus projetos em curso: hoje mesmo entro em estúdio para gravar a base de um remix para o Lenine, e ano que vem, estou me programando para me dedicar mais à house music, o lugar onde meu coração mora.
Mahmundi: Trabalhando em novas músicas, com outros artistas, com a energia do #vemvacina melhorando essa perspectiva. Em geral fazendo música, e gostando sempre do que estou fazendo. É isso, espero que nossos ouvidos se conectem por aí no segundo semestre. Um beijo pra vocês, fiquem bem!