De frente com personalidades como Karol Conká, Drauzio Varella, Vanderlei Luxemburgo e Fernando Holiday, o artista afirma: “quero ouvir o cara que ninguém quer ouvir, por mais que discorde dele”.
Texto Pétala
Foto Pedro Dimitrow
Em terra de mitos, é preciso ter cuidado ao eleger os nossos heróis, e na cena musical nacional, Mano Brown é indiscutivelmente um dos maiores ídolos. Mas engana-se quem pensa que os anos de estrada com o Racionais MC’s trouxeram todas as respostas para o artista. Nesta quinta-feira, 26.8, o rapper estreia como apresentador no podcast Mano a Mano, uma produção original do Spotify. Curioso pelo desconhecido e interessado em criar diálogos, Brown vai compartilhar as suas dúvidas e pensamentos ao lado de personalidades da música, política e até futebol.
“No começo da pandemia, o mundo ficou perplexo. Eu pensei, ‘não posso chapar’, quando vi as pessoas passando por dificuldades. Falei, vou estudar. Só tem uma maneira de eu não chapar na falta de perspectiva da sociedade”, explicou na coletiva de imprensa do novo projeto. Em busca de novas ideias, se debruçou em temas de interesse: “Fui estudar, fui ler, fui estudar coisas sobre teologia, arqueologia, filosofia, ciência e coisas relacionadas a África, a diáspora africana – descobri coisas maravilhosas.”
Como muitas pessoas, o músico se aprofundou no estudo para não enlouquecer nos intermináveis dias dentro de casa. O que Brown não esperava era que, ao compartilhar suas descobertas em conversas com os amigos, uma empreitada inédita em sua carreira poderia surgir. “Os caras falaram para fazer um podcast, contar histórias. Falei com o meu filho, Kaire Jorge sobre o que ele achava, e a Boogie Naipe apostou”, lembra.
No momento em que os shows permanecem incertos, Mano Brown ganha um novo palco: “Sou um contador de histórias nato, quando eu começo a falar, sigo no no protagonismo, dou exemplo, puxo ideia do passado, comparo com o presente, jogo pro futuro. E isso é do compositor, acho que todo compositor, letrista, rapper, tem essa coisa de estar contando a sua história, sua visão sobre o mundo”.
Apesar de ter se tornado um símbolo ao longo da carreira, muitas curiosidades rondam a sua imagem. Em Mano a Mano, os convidados podem até ser as pessoas que estão no olho do furacão, mas no entanto, o público também vai ter a oportunidade de conhecer um lado desconhecido do músico. “Sou um brasileiro médio, filho de uma mulher negra com um cara branco desconhecido, sou a cara da massa, a cara da maioria, produto tipicamente brasileiro, filho da escravidão. É isso que eu sou”, explica.
Quem vai acompanhar o apresentador nessa jornada: nomes como Karol Conká, Drauzio Varella, Vanderlei Luxemburgo e Fernando Holiday. O artista, inclusive, poderia receber em seu programa apenas amigos e colegas de música, se mantendo em sua zona de conforto, mas em suas palavras, antes de tudo “o programa tem que ser útil”. E para isso, ouvir, refletir e aprender com aqueles diferentes de nós. Um exemplo foi a conversa entre Brown e o vereador Fernando Holiday, conhecido por suas opiniões conservadoras. No entanto, ver uma inteligência negra em evidência sendo alvo de críticas o instigou. “Era um cara que ninguém queria ouvir. Eu falei, ‘Isso me interessa’. Eu quero ouvir um cara que ninguém quer ouvir, por mais que eu discorde dele”. Segundo o músico, são exercícios como esses que farão diferença nos ouvidos do grande público, inclusive para lidar com eleitores de Jair Bolsonaro, que apesar de se decepcionar com o político, continuam com as mesmas perigosas opiniões, sendo “uma massa que não pode ser menosprezada”.
A proposta de Mano a Mano, de dialogar e expandir ideias, tem tudo a ver com a presença de Brown. Um ícone que abriu o caminho para tantos, e que hoje usa o seu nome para continuar construindo pontes. Com o novo projeto, o rapper reforça o seu compromisso com a próxima geração e reafirma a sua missão com um público muito importante: “os jovens, a inteligência negra emergente, que é o louro, o diamante do Brasil”.