Influenciados por Cassiano, 5 artistas comentam a importância do “pai do Brazilian soul”

Conversamos com Sandra de Sá, Josyara, Uiu Lopes, Theuzitz e Ambivalente sobre o legado e a obra do músico

Texto Cainan Willy
Foto Divulgação

Cassiano, cantor, compositor e guitarrista, nos deixou aos 77 anos em 2021. O seu legado tem o incrível poder de encantar e influenciar gerações. Seja por autenticidade, pioneirismo, criatividade ou todos esses adjetivos somados e multiplicados. Aos 17 anos, ele saiu de sua terra natal, Campina Grande, na Paraíba, rumo ao Rio de Janeiro. Por lá, durante a década de 1960, se dividia entre bicos e música. Em 1964 já fazia parte do conjunto Os Diagonais, ao lado do seu irmão Genival Camarão, o amigo Amaro e, eventualmente, Hyldon.

Nessa época, a soul music brasileira do grupo chamou atenção de Tim Maia, que enxergou em Cassiano o mesmo entusiasmo que tinha pela sonoridade que fez a sua cabeça na gringa. Quando o grupo passou a atuar como banda do cantor em início de carreira, as composições de Cassiano conquistaram o síndico, então ele gravou e começou a fazer sucesso com “Primavera” e “Eu Amo Você”, ambas escritas em parceria de Silvio Rochael. 

Em 1971, Cassiano lançou o disco Imagem e Som, o seu primeiro na carreira solo. O trabalho não teve sucesso comercial, mas mostrou a identidade da sua arte. Na sequência, em 1973, foi o ano de Apresentamos Nosso Cassiano, composto por 10 faixas, o trabalho se destaca pelo experimentalismo e pela ausência de hits comerciais. Embora vivendo um flerte com o pop, as músicas misturam soul, rock progressivo e psicodelia. Dois anos depois, no lançamento do seu terceiro disco, Cuban Soul: 18 Kilates, alcançou os sucessos “A Lua e Eu” e “Coleção”. 

Mesmo com a projeção nacional, a relação do músico com as gravadoras e rádios da época não engrenou. Na época, alguns problemas de saúde começaram a atrapalhar a carreira de Cassiano, que acabou tomando o caminho da reclusão. A próxima novidade viria em 1991, quando o disco Cedo ou Tarde reuniu grandes nomes da música brasileira para resgatar e homenagear a sua obra, mas o material não empolgou. Além das regravações por nomes como Sandra de Sá, Ed Motta, Claudio Zoli, Djavan, Luiz Melodia e Marisa Monte, o registro traz as últimas inéditas divulgadas por Cassiano.

Do Racionais MC’s à Ivete Sangalo, são inúmeras as bandas e artistas, que se inspiraram ou gravaram as canções do compositor. A sua originalidade e essência nunca deixaram de encantar os novos e atenciosos ouvintes da música brasileira. Convidamos nomes de gerações diferentes para falar sobre o impacto que a obra do artista teve em suas vidas e criações. 

Sandra de Sá: Cassiano é importante pro nosso Brasil, pro nosso Rio e pro nosso Universo. Tenho muitas boas recordações. Lembro de ver ele cantando e também ir com o meu tio comprar os discos. Ou quando descobri que algumas do Tim Maia eram do Cassiano. A mais forte é a gente junto no estúdio para gravar “Candura” (música de Denny King e Cassiano, gravada pela cantora no disco“Vale Tudo”, de 1983). “O mais importante, o melhor da música, está no silêncio”. Cara, é uma coisa de sentimento. Ele me influenciou de todas as formas porque é tão legal quando você vê um artista de verdade. Tudo dele vinha de dentro, tinha muita verdade. Ele era um gênio, e os gênios influenciam. 

Josyara: Lembro de estar na casa de uma amiga, e quando ela colocou o vinil para tocar, nós paramos de conversar para apenas escutar. A música dele me influenciou no afeto. A melodia e a poesia me atravessam. Essa mexida dá vontade de fazer igual, de tentar chegar perto da beleza que a obra dele tem. Aprecio tanto que uma hora pinta sutilmente em algum canto de mim. Cassiano ajuda a lembrar que amar é bom, que às vezes dói demais e que pode demorar para passar. As músicas dele louvam isso tudo e a base de minha criação é esse caldeirão de emoções humanas”.

Uiu Lopes: Não fazia ideia de quem era o Cassiano, mas “Onda” já tinha me marcado na infância, como sample em “Dá Ponte Pra Cá”, dos Racionais Mc’s. Hoje, me inspiro nessa mistura de soul music americana e canção brasileira dele, algo que está presente em meu trabalho. Cassiano é nordestino, assim como eu, então para mim, ele é um espelho, uma possibilidade, um portal de que todos podem acessar. Como ele já dizia: “Novos sonhos vão ter fim, há tanto sonho em mim, mas é a vida, linda lenda, antiga é a vida”.

Theuzitz: Ele sempre esteve na minha vida: nos programas de auditório, nas festas de família, na rádio, mas eu nunca soube quem era aquela pessoa. A primeira vez em que, conscientemente, eu fui atrás foi quando escutava Tim e Hyldon. Comecei pelo Apresentamos, e quando o órgão de “O Vale” começou a tocar, senti que estava em casa. O arpejo psicodélico, o groove funkeado, as vozes e os violões ocupando toda a sala. Se eu pudesse escolher como seria o meu céu, seria a imagem que eu pintei ao som dessa música. Ele me mostrou que existem formas e formas de amar, e que ainda existem várias camadas dentro delas. Mesmo ele sendo boicotado, sempre foi pra frente e fez o que quis fazer. Foi um preto foda. Mostrou como a gente pode ser guerrilheiro, poeta e que a nossa poesia não precisa ser só sobre a guerrilha.

Rodolfo Ribeiro (Ambivalente): Tem referências que a gente vê quase como conselheiros. Acesso suas obras como quem pede um conselho do que deveria fazer no próprio trabalho. Eu tenho esse tipo de relação com a obra do Cassiano. Escutar os seus discos coloca as coisas em perspectiva do que é importante ou não em uma canção. Quando eu era pequeno, lembro da minha mãe cantando “A Lua e Eu”. Sou muito fascinado pela facilidade que ele tinha em incorporar elementos complexos, junto com uma simplicidade que faz qualquer um cantarolar. Cassiano tem essa característica, ele conseguia combinar harmonias mais complexas com uma acessibilidade sinistra. É o que mais almejo alcançar enquanto artista. Assim como Itamar Assumpção, acho que ele foi um gênio não reconhecido no seu tempo. Isso por si só já é muito importante, porque acontece até hoje. Tem gênios na minha geração, mas não são reconhecidos como deveriam. 

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