Giannini Supersonic é o instrumento que levou os brasileiros a tocarem guitarra

Com quase 60 anos de história na música, a guitarra elétrica projetada e fabricada no Brasil segue encantando artistas de diferentes décadas e estilos. Entre os seus fãs? Roberto Carlos, Lanny Gordin, Pepeu Gomes, Lucinha Turnbull, Edgard Scandurra e Pedro Sá.

Texto Lucas Vieira
Foto Jorge Rosenberg

“A guitarra elétrica Giannini consagrada pela tradição. Vibrato manual. Três poderosos captadores de som. Chaves liga-desliga individuais para cada captador. Controle de volume e de tonalidade. Ajuste individual de afinação para cada corda. Braço ajustável e super-confortável permitindo fácil acesso aos 21 trastes. Ação das cordas regulável para maior ou menor maciez. Acabamento em rico tom de vermelho, sombreado em prêto. Um instrumento solista de características sonoras e técnicas excepcionais. Equipada com correia de courvin. Acondicionada em estôjo de luxo. Comprimento: 102 – largura: 32 – altura: 4.5 cm.”

Assim era anunciada a Supersonic, guitarra projetada e fabricada no Brasil pela Giannini nos anos 60. Com a popularização da surf music e dos primeiros grupos de rock na virada da década de 1950, houve um crescimento exponencial do interesse dos jovens brasileiros pelo instrumento e abriu-se uma grande oportunidade de mercado para empresas nacionais.

Na foto, Carlos Sossego e Roberto Fontanezi

Fundada por Tranquillo Giannini no ano de 1900, a Giannini foi uma das primeiras empresas a lançar guitarras elétricas de forma comercial no Brasil. Lançada no ano de 1964, a Supersonic teve seu projeto assinado por Carlos Alberto “Sossego” Lopes, o responsável pela criação de diversos instrumentos para a companhia a partir de 1963. Em suas palavras, este foi “o instrumento que levou os brasileiros a tocarem guitarra”. 

Em entrevista à revista Musitec, em 2004, o engenheiro falecido em 2020 revelou: “Na época, fiz a Giannini adquirir uma Fender Stratocaster, que serviu de base para este modelo. Desmontei-a e copiamos perfeitamente todo o seu esquema. A única coisa que não tínhamos similar aos originais, na época, eram os parafusos Allen minúsculos, então utilizamos parafusos de fenda normal. E assim nasceu a guitarra, que era uma mistura de dois modelos, a Jazzmaster – que emprestou formato de corpo e escudo – e a Strato – que cedeu posicionamento de pick-ups, alavanca, controles e receptáculo para jack.” 

A guitarra da Jovem Guarda

Roberto Carlos, principal ícone da Jovem Guarda, foi um dos artistas a empunhar uma Giannini. Em trechos de seu programa televisivo e mesmo em uma apresentação em Portugal, o artista apareceu com a guitarra nas mãos, tocando hits como “O Calhambeque”. Em 1966 entrou na banda de cantor outro guitarrista que utilizava o instrumento: José Provetti. Integrante do grupo The Jet Blacks, o músico participou de gravações com Celly Campelo e Reginaldo Rossi, entre outros.

Pedrinho da Luz, guitarrista do The Fevers, outra banda icônica da Jovem Guarda, também utilizou uma Supersonic. O álbum Peter (1969), gravado pelo conjunto sob pseudônimo, trouxe uma arte feita a partir de uma Giannini em sua capa. Além deste LP, a guitarra ilustrou coletâneas brasileiras como A Juventude (1970), que reuniu canções de Módulo 1000, Golden Boys, Trio Esperança, entre outros.

A Supersonic também brilhou nos cinemas, no filme “Rio, Verão e Amor” (1965). Renato Barros, que era acompanhado pelos Blue Caps, e o guitarrista Vitor Trucco, da banda The Brazilian Bitles, aparecem na obra com suas Gianninis em clipes musicais.

Supersonic na psicodelia

Nas primeiras gravações de discos psicodélicos do Brasil a Supersonic também esteve presente, fazendo a música brasileira viajar com seu som. José Guilherme da Rocha foi um dos guitarristas a utilizar o instrumento em uma das gravações mais emblemáticas da década: o álbum de 1968 de Ronnie Von. 

Sobre o instrumento que guarda até hoje, José Guilherme conta: “Eu comprei a minha aos 14 anos. Ter uma Supersonic e um amplificador True Reverber na época não ficava atrás de ter um equipamento Fender, foi um produto muito bem feito, eu toquei com ela em bailes, apresentações, e as pessoas não acreditavam que era uma guitarra nacional”. Com sua Giannini, o artista também viveu um momento inusitado no programa do Pequeno Príncipe: “Eu estava tocando e pegou fogo em um amplificador no palco do Ronnie Von, mais psicodélico que isso impossível”.

Além de gravar guitarras inesquecíveis como de “Silvia 20 Horas Domingo” e “Tristeza Num Dia Alegre”, José Guilherme também gravou com o pianista Eduardo Assad e afirma que, para tocar com a Giannini, é preciso dominá-la: “A Supersonic tem limitações superáveis, usando muito a alavanca ela desafina com frequência, então é preciso saber tocar nela”.

A Supersonic também foi a guitarra dos LPs da Tropicália. Nas mãos do guitarrista Lanny Gordin, a Supersonic foi responsável pelo timbre distorcido e pelos sons melódicos de“17 Légua e Meia” (Gilberto Gil, 1969), “A Cultura e A Civilização” (Gal, 1969), “Irene” (compacto de Tom Zé, 1970) e “De Cara/Quero Essa Mulher” (Araçá Azul, de Caetano Veloso, 1973).

1970: Uma década de mudanças

Nas décadas seguintes, Lanny continuaria a utilizar sua Supersonic no estúdio e também nos palcos. Gravou com Antônio Carlos e Jocafi, Erasmo Carlos e Tim Maia em 1971 e, na década de 1980, também gravou com ela na Banda Performática do Aguilar.

Pepeu Gomes foi outro guitarrista que teve uma Supersonic, bastante customizada, usada no disco Acabou Chorare, dos Novos Baianos. No encarte, a guitarra aparece com as primeiras mudanças, com o chifre superior e o headstock cortados. Em 1978, no show de Montreux, a Giannini já estava com sua pintura raspada e alterações em sua eletrônica, incluindo um quarto captador.

A Supersonic também faz parte do setup de Lucinha Turnbull, considerada a primeira mulher guitarrista do Brasil. Sobre a guitarra, a artista comenta: “Ela era de um amigo que trocou comigo por uns LPs que eu tinha. Ela veio sem as ferragens e captadores, então eu levei para o Seu Vitório que a reformou. Eu usei a Giannini no Refestança, que gravei com Gilberto Gil e Rita Lee. No solo de “De Leve” dá para ouvir o som dela. Também toquei com ela na turnê do Refavela e no Festival de Águas Claras”.

Um dos principais colecionadores de instrumentos musicais brasileiros, Roberto Fontanezi viveu o auge da Supersonic de perto, e comenta que o luthier Vitório Quintílio, criador dos famosos captadores sextavados, foi indispensável em seu projeto: “O Seu Vitório foi essencial para a guitarra brasileira, ele forneceu captadores para todos os fabricantes da época. No começo dos anos 1970 ele não conseguia mais atender a todas as demandas, foi quando as marcas começaram a importar e também fabricar as próprias pickups, o que mudou muito o som das guitarras”.

A década de 1970 trouxe muitas mudanças para a Supersonic, tanto em suas madeiras quanto na parte elétrica e nas ferragens, o que a tornou um instrumento bastante diferente. As mudanças seguiram até os anos 1980, década em que parou de ser fabricada. Sobre esses eventos, Roberto comenta: “Por volta de 1973 saíram os captadores sextavados e os corpos passaram a ser de marupá, se tornou outra guitarra, apesar de ainda carregar o nome Supersonic. A partir de 1978 tivemos mais mudanças, a Giannini passou a ter muita concorrência com o surgimento de marcas baratas”.

Supersonic na Guitarrada

Na região Norte do país, a Supersonic foi uma das guitarras nacionais que participou da eletrificação dos ritmos regionais de estados como Pará e Amazonas. Bruno Rabelo é pesquisador da música paraense, e guitarrista, que já acompanhou Mestre Vieira e Curica com sua Giannini. Além de usá-la na banda Cais Virado e no projeto Clube da Guitarrada, ele afirma: esses instrumentos brasileiros foram essenciais para a formação da música paraense a partir da década de 1960.

Segundo o artista, guitarristas importantes da música do Norte tiveram a Supersonic como seu instrumento em gravações essenciais para a música paraense: “A eletrificação de ritmos como o carimbó, o surgimento do brega, da lambada e da guitarrada estão diretamente ligados às guitarras Giannini e também às Snake, outra marca nacional. Lendas como Curica, Seu Vieira e Aldo Sena tiveram esses instrumentos em suas gravações”.

A Supersonic também estampou a capa de LPs históricos da cena musical da Região Norte. Os instrumentistas Marinho Guitarra de Ouro (no disco Melô da Pirâmide, de 1986) e Raimundo Magalhães (em Magalhães e Sua Guitarra, 1986) são exemplos. Sobre os músicos que utilizaram as Giannini, Bruno comenta: “O Mário Gonçalves, que fez alguns dos primeiros solos de guitarra da música do Pará, na banda de Pinduca, usou esse instrumento. O Lauro Alves, que fazia as bases, o ritmo, de vários álbuns de Mestre Vieira também teve uma”.

O motivo da Supersonic ter sido tão presente e, posteriormente, ter se tornado marcante para a sonoridade da música do Norte se relaciona com a dificuldade dos músicos de conseguirem comprar instrumentos naquele momento, onde havia pouca oferta e os preços eram altos. “Hoje se diz que existe uma sonoridade da guitarrada como um elemento estético, mas na verdade o uso desses equipamentos era uma questão de necessidade. Era o que tinha, o que dava para comprar. Muitas gravações eram feitas direto em linha, sem amplificador, embora houvesse mesas de qualidade.”

Uma guitarra acessível

Se antes a Supersonic representava uma alternativa cara para a geração dos anos 1960, nos anos 1980 a história foi outra. Chegando aos 20 anos de atividade, algumas unidades começaram a aparecer em lojas de usados e se tornaram instrumentos de jovens iniciantes. 

Edgard Scandurra, guitarrista do Ira!, um dos principais usuários do instrumento, fala sobre a importância da Giannini: “A Supersonic representa para a minha geração uma guitarra acessível, entre as nacionais era a que garantia um timbre bacana, é um instrumento bonito, e muita gente começou a tocar a partir dela”.

Com a Supersonic, Edgard gravou discos clássicos como Mudança de Comportamento (1985) e Psicoacústica (1988). Sobre suas características, o guitarrista ressalta: ”O braço dela é muito macio, o que é ótimo para um solista. Ela tem um timbre muito legal, uma sonoridade cristalina com agudos estridentes. Ela é a minha guitarra número um”.

Outros músicos que surgiram a partir da década de 1990 e se tornaram referências nos anos 2000, como o produtor Kassin, Bem Gil e Rodrigo Amarante (Los Hermanos), também adotaram a Supersonic em seus trabalhos. Pedro Sá é um dos defensores da Supersonic e utiliza a guitarra até hoje. Seu som aparece nos álbuns Zii e Ziê (2009) e Abraçaço (2012), de Caetano Veloso.

Pedro caracteriza a Supersonic como uma “vira-lata”, por ser um instrumento tão brasileiro e misturar dois modelos com “pedigree”. “Essa guitarra tem um som inacreditável, a bobina do captador é bem solta, dá muita microfonia, uma sonoridade muito quente. Ela é muito especial para o lado rítmico. Para tocar carimbó, samba, ela é imbatível”, comenta.

Anos 2000: Objeto de colecionador

Foto Jackie Brito

A partir dos anos 2000, a internet contribuiu para as pesquisas sobre a história da Supersonic e também para sua popularização. O blog de Roberto Fontanezi, onde posta sua coleção na rede, se tornou uma referência: “a pesquisa era muito abandonada e surgiu o interesse de ir registrando nos blogs, no Orkut e hoje também nos grupos no Facebook. Com isso, surgiu uma infinidade de colecionadores de instrumentos nacionais e hoje tem bastante informação na web”.

Em 2004 a Supersonic voltou ao mercado, remodelada. Com novas opções de cores e corpo redesenhado, o instrumento teve inspiração na guitarra de Edgard Scandurra, que participou diretamente do lançamento: “Achei que acertaram muito nessa versão com novas cores e timbres. A 001 é minha, a Giannini fez uma edição especial com uma distorção embutida para mim”. Em 2015 uma nova reedição, mais parecida com a original, foi projetada pela empresa. Mesmo exibida em feiras, acabou não sendo lançada. 

Depois de 50 anos, a guitarra se tornou objeto de desejo de colecionadores e músicos, o que fez com que seu valor aumentasse muito. Pedro Sá, que comprou duas Supersonics por R$100 cada, comenta um momento inusitado: “A partir dos anos 2000 ela se tornou um outro padrão de guitarra. Uma vez eu fui a uma loja e testei uma Giannini. Quando o vendedor me disse que ela custava R$1200 eu me assustei e ele respondeu: ‘Pô, você e o Kassin ficam tocando com essa guitarra na Globo agora o preço tá alto, a molecada vem aqui doida atrás dela’”.

Foto Nino de Sá

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