Deekapz: postura do house, filosofia do baile funk 

Paulo Vitor e Matheus Henrique contam quais sonoridades tem atraído a atenção do duo e revelam as estratégias para não deixar seu som preso em festas de playboy 

Texto Thaís Regina
Foto Mayã Guimarães

A primeira vez que entrevistei o Paulo Vitor, 24 anos, e o Matheus Henrique, 25 anos, foi em 2019. Já acompanhava o Deekapz há um tempo e tinha orgulho de dizer que ia em todas as festas em que eles tocassem em São Paulo — “Se tem DKVPZ, eu vou”. Hoje, é impossível acompanhar o ritmo deles. Isso porque, depois de um considerável agito na cena paulistana com o chill baile, o duo alcançou projeção nacional ao assinar boa parte da produção de Bluesman (2018), do Baco Exu do Blues. Mais tarde, conquistaram mais seguidores fiéis com a intensa produção autoral. Em 2020, os dois jovens do interior paulista já eram os queridinhos dos festivais, somavam passagens na gringa e aumentavam a paixão do público (você já viu como é difícil conseguir um merch deles?). Entre transições saborosas e a exímia curadoria de som, com um balanço entre hits clássicos, e faixas preciosas, que você só encontra no baile funk ou nas profundezas do Soundcloud, os sets deles são uma fonte abundante de pesquisa e farra.

Em maio de 2021, fiz uma chamada em vídeo para ouvir sobre o primeiro trabalho solo deles, o EP Ensaio Sobre Você (2021). Eles me contaram sobre a tour da Europa e Ásia que começou em 2020 e teve que ser interrompida, além da mudança do nome do projeto — de DKVPZ para Deekapz —, um primeiro passo que já demonstrava a preocupação do duo com estar mais perto do público. Missão cumprida: agora o nome está na boca do povo. Eles continuam organizando festas gratuitas no centro da cidade, afinal, a rua precisa ser disputada e, historicamente, quem faz isso é o tal do som de preto e favelado, mas que quando toca… No final de 2021, mais cinco EPs somaram-se ao repertório do duo. Essa profusão de lançamentos foi parte do que motivou essa onda de convites para festivais, festas, publicidades, além de uma residência fixa. Você provavelmente já flagrou o duo em line-ups de festivais como Lollapalooza, Afropunk, Sensacional, Coala, Primavera Sound e Extrapunk Extrafunk (organizado pelo Black Alien). Na véspera de mais uma tour na gringa, falamos com eles sobre as conquistas e os próximos passos.

A nossa última entrevista foi no auge da pandemia e hoje vocês estão confirmados em vários festivais. Como está sendo ter essa guinada na rotina? 

Matheus: Era uma parada que a gente desejava muito quando estávamos trabalhando em casa sem poder tocar. Na época, fizemos um rebranding e focamos nas produções musicais. Hoje conseguimos nos dedicar aos DJs sets.

Como esse período focado na produção musical impactou nas apresentações? 

Matheus: Produzimos bastante coisa: edits, e faixas que não soltamos. Então, às vezes, a gente cria um edit, coloca no DJ set e não lança. Temos muito material para tocar que é nosso.

Paulo: Lançamos cinco EPs e isso foi um dos fatores mais importantes para chegarmos aqui. Além de levar nosso material para o digital, começamos a faturar com os streamings. Então ter esses trabalhos foi fundamental. Os mashups e bootlegs nem sempre são aceitos em sets nos festivais, por isso, precisamos do nosso material autoral. Se você tocar uma música de outro artista, essa pessoa tem que ficar sabendo e receber pelos direitos da composição via ECAD.

Sinto que vocês têm se afastado um pouco do chill baile. Foi proposital? 

Paulo: Sim, eu fico muito feliz pelo movimento, mas acredito que a onda do Deekapz é passar por vários gêneros musicais e também ter mais repertório para criar misturas. É o nosso toque especial. 

Quais sonoridades tem atraído vocês? 

Paulo: Ao longo desses últimos três anos, o house foi o que a gente anda mais consumindo. E não só a onda atual, que é essa síntese do Kaytranada, mas também o house de Detroit e Chicago, aqueles classudos, para entender mais sobre a narrativa. Tenho ouvido muito Frankie Knuckles. Estamos sintetizando isso para levar para o próximo projeto. 

Quais são as últimas pesquisas no soundcloud de vocês? 

Matheus: DJ Fuinha, DJ Tobias, DJ P7, e eu estava ouvindo de novo as paradas do KOJACK’S, um dos primeiros a fazer chill baile. 

Paulo: Pode ser o histórico de reprodução? Uma exclusiva do Mafalda e DJ Deivão – “Bora pro barraco”. Toda vez que entrevistam a gente e perguntam sobre o chill baile, fazemos questão de dizer que não foi a gente que criou. As primeiras pessoas que a gente viu misturar jazz com acapella de funk foram o KOJACK’S e o Carlos do Complexo, ambos cariocas. KOJACK’S chegou a tocar mas parou, e o Carlos lançou o disco Torus (2021), um projeto lindo, bem afrofuturista. 

Uma coisa que achei muito foda foi o rolê na rua, o 0800. Sinto muita falta dessa disputa da rua no centro. Enquanto o baile funk não parou de acontecer, o centro voltou para a vida cultural refém das casas novas e, no geral, são uns rolês gentrificados. Como é organizar essa festa? 

Paulo: A ideia inicial foi do João Falsztyn, que é o nosso braço criativo, ele faz as projeções dos nossos sets. O João sempre teve a visão de que a nossa sonoridade é da rua, e como ele já organizou festa na rua, sabia que era possível fazer. A gente abraçou. E por que não o centro? Até porque é justamente isso: o cenário mudou. Você pode ver que é em Pinheiros que tem o circuito da nossa sonoridade. Os rolês mais relevantes tocam nas mesmas casas…

Que são muito caras. 

Paulo: Exatamente, casas que a gente sabe muito bem que o nosso público não tem condição de arcar. A gente tem uma residência semanal, mas quem tem uma quinta-feira disponível para ir? Pensando nesses fatores, decidimos fomentar um encontro no centro, mas que não seja elitista porque esse não é o nosso público. Quer dizer, também é nosso, mas não é o majoritário porque a gente vem de uma cena mais periférica. Fazer um rolê de graça no centro foi a nossa maneira de unir esses públicos, e quem passar pelo Vale do Anhangabaú também pode acompanhar. Rola uma sincronia em que uma pessoa puxa a outra, e é isso que torna essa energia bem bacana. 

Isso é filosofia de baile. 

Paulo: Exatamente. A pandemia deu esse breque, deixou a gente desmotivado para buscar a licitação na prefeitura para chegar com uma infraestrutura legal. No meio desse caos, por que não tirar uma grana do nosso caixa e investir em um line-up legal com os nossos amigos? Pessoas pretas e periféricas, divulgando e tocando o próprio som e de outros amigos. Espalhar o que o próprio Chavoso batizou de música eletrônica popular brasileira. E com certeza, democratizar ao máximo o rolê. 

Quais são os próximos planos? 

Paulo: Tour na Europa, em dezembro. São seis datas em quatro países – e deu sold out. Estou falando de 1.500 pessoas que compraram o ingresso sem nem saber o line up. E, fora isso, tem o nosso disco, que é a síntese dos oito anos de projeto. O chill baile não morreu, a gente só estava aguardando o momento certo para fazer uma uma narrativa forte em um lançamento mais enxuto. Vai ter chill baile, house, funk — tudo o que a gente gosta de tocar e, principalmente, o que a gente se sente influenciado.

Matheus: E o que a gente se sente confortável de produzir. 

Paulo: Sim. Sem aquilo de “precisa sair um beat desse jeito”. A gente ficou um bom tempo nessa ideia, e quando percebemos que isso não levava a nada, ficou óbvio que o back to basics era o melhor caminho. O disco será lançado no ano que vem. Nós também estamos muito felizes com o Lollapalooza, é um festival muito importante, uma graduação de verdade. Acho que para todo artista, mas ainda mais para a gente, que vem do independente. É muito significativo. Sinto que a gente estava se preparando pra isso. Aprendendo todo dia também, lógico. Oito anos, vambora. (risos)

Ah, mano, que foda. Parabéns. E qual é o maior desafio de vocês hoje? 

Paulo: Tentar ter umas férias (risos). A gente teve uma crescente muito boa, uma ascensão muito legal. Ganhando mais credibilidade e consequentemente tendo mais oportunidade de espalhar nosso trabalho, colaborar com outras marcas e isso toma muito da nossa agenda. Não digo no tom de que a gente precisa prezar pela nossa saúde física e mental, porque a gente está se cuidando, mas acho que seria bom ter um tempo voltado para criação. Acho que é complicado conciliar a alçada criativa com a performance, o lance de estar ali. 

Matheus: O maior desafio é lidar com bloqueio criativo. Às vezes a gente consegue produzir, mas em outras vezes, a gente trava e fica um bom tempo sem conseguir fazer nada. 

Qual foi o último show muito foda que você foi? 

Matheus: Foi o do Bagum no Cine Clube Cortina. É uma banda da Bahia, não chega a ser um indie, mas é um groove. 

Paulo: Imagina o Terno Rei, mas mais groovado. 

Matheus: E experimental.

Paulo: Para mim, foi o do A$AP Rocky no Lollapalooza. Por mais que muita gente não tenha curtido a performance dele e esperava mais, é um artista que a gente gosta muito. Foi legal ver como ele se comporta no palco. E tinha muita gente lá, todo mundo abarrotadinho, então a energia foi bem foda. Isso é muito louco porque eu estava ali como espectador e agora a gente vai como artista na próxima edição. 

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