Anna Suav e os processos que entrelaçam a dualidade e maturidade em “Eva Grão”

Cocriadora do ‘Slam Dandaras do Norte’, a MC conversa sobre a fase de produção do seu primeiro EP, levantando questões sobre ser uma mulher negra e amazônida no meio do rap, além de citar projetos presentes e futuros, dentro e fora da música.

Texto Vanessa Rocha
Foto Yasmin Alves 

Durante apresentação no Festival Porto Real, em Recife (PE), semanas antes do início da pandemia no Brasil, a MC, poeta, cantora, compositora e produtora cultural Anna Carolina Batista, mais conhecida como Anna Suav, teve sua primeira experiência cantando sozinha. Em mais de três anos de carreira, a manauara, radicada em Belém (PA), já trabalhou com artistas como MC Deeh, Guitarrada das Manas, Papo de Preto, Orquestra Aerofônica e Drin Esc, além de ter passado por respeitados festivais. Em grande parte das suas vivências, Anna dividia o palco com outras MC ‘s, e certamente o solo chamou a sua atenção.

Já em quarentena, em parceria com os produtores e beatmakers Donloco e Navi Beatz, ambos de Belém, e Wzy, de São Paulo, Anna começou a trabalhar de forma híbrida naquele que se tornaria o seu primeiro EP,  o Eva Grão, lançado em novembro de 2021. “Percebi que minha narrativa tinha ido para além do meu território. Passei então a compor a primeira faixa, ‘BNTA’ [as outras faixas já existiam em momentos criativos e foram sendo moldadas] e reorganizei um rebranding, pois entendia que essa música tinha uma proposta vocal de R&B, e queria me pautar nisso”, comentou em entrevista à Revista Balaclava. 

Eva Grão marca sua maturidade artística, trazendo a suavidade, símbolo da voz de Anna, um arranjo rico em instrumentos e beats, e o primor da mistura de rap, pop e R&B. Ao longo da trilha composta porRefém”, “Puma Flow” [com Bruna BG], “BNTA”, “Elementar”, “Interlúdio” [com Mel Duarte] e “Hino”, a artista mostra a força de quem sabe o que quer, que não “desce” a ninguém e que escancara para quem achou que ela jamais chegaria ao sucesso que o contrário já aconteceu. 

E não faltaram motivos na vida pessoal e profissional da poeta para que todas essas vivências fossem fundamentadas em letras. Explico. Ela é uma mulher negra, amazônida, que fortalece a cena do rap no Norte em meio a uma maioria masculina (Anna é uma das criadores do projeto “Slam Dandaras do Norte”, primeiro do Norte feito de manas para manas) e, como a mesma diz, não se dá ao luxo de errar e fazer mal feito.

“Qualquer escoamento artístico vindo do Norte é difícil. Existe um processo de subestimar, como se a gente tivesse que mostrar três vezes mais. Acho que eu luto pelo direito de errar, mas acredito que eu não posso errar. Sinto que tenho que ser extraordinária para chamar atenção. Isso tudo é exaustivo. Vamos parar de romantizar o rolê, ninguém vai ser descoberto, tem que trabalhar mesmo e ter uma paciência do c*ralho“, disse Suav.

E para o desconforto e decepção de quem acredita nas caricaturas sobre a arte do Norte, Anna performa em Eva Grão tudo, menos uma amazonidade estereotipada. “Eu brinco que existia uma diva pop dentro de mim, e eu usei dessa oportunidade para colocar ela pra fora. Tenho referências estéticas vindas da Rihanna, da SZA nas narrativas dentro dos relacionamentos, e da Kali Uchis na sexualidade e na diva gangster. Mas também trago Tim Maia, Ed Mota, Sampa Crew… Tem uma escola aí desse novo momento, de carregar coisas brasileiras. Adoro quando as pessoas reconhecem isso”, disse a compositora.

O segundo videoclipe do EP foi “Hino”, lançado semanas após o álbum de estreia. Nele, Anna mostra às câmeras as garras da ‘preta potente mas não prepotente’ ao falar sobre as conquistas que percorreu para construir o seu império, sobre a solidão e independência em desbravar os caminhos ao topo que, de acordo com a letra, é pouco para onde quer estar.

Sem dúvidas, um dos pontos altos no clipe, gravado em Belém, é o papel de Anna como dançarina, algo que fez parte de sua vida por mais de uma década. “Nesse processo eu vou revisitei a mim mesma. Fiz o clipe de ‘BNTA’ [lançado em abril deste ano] e não aceitaria entregar nada menor, que no caso foi a dança. Eu sou muito literal, a música e o microfone na mão são os meus exorcismos. Hino veio para falar sobre isso, sobre o que as pessoas esperam quando me vêem”, conta, dizendo que de suave, não tem nada.

Anna fez parte de todos os processos que envolveram a criação e divulgação do EP: da composição, produção, escolha das músicas e até mesmo a comunicação com a imprensa. “Estou em tudo, faz parte do preciosismo do meu trabalho e também da minha estrutura de artista independente. Claro, tenho uma equipe que trabalha comigo tanto no regional quanto no nacional, mas tudo é provocado por mim”, comenta.

Poesia é (e) resistência

Em 2019, Anna e mais 14 mulheres slammers de todo o Brasil fizeram parte da antologia “Querem nos calar: Poemas para serem lidos em voz alta”, organizado pela escritora e slammer Mel Duarte e com prefácio de Conceição Evaristo. A poesia, aliás, é parte fundamental em seus shows, onde sempre existe um momento reservado para os versos, algo que também está presente no EP, com “Elementar”.

Para Suav, poder andar por dentro das artes, dirigindo clipes, compondo, sendo poeta slammer, MC e contribuindo para a literatura com outras mulheres é algo fundamental, de modo que todos os seus trabalhos conversam entre si. “Eu sou uma mulher negra, da Amazônia, que se movimenta e é subestimada. Onde que iriam olhar pra mim que um dia eu seria uma cantora? As pessoas têm sonhos pequenos e esperam isso das outras. Sei da minha potência e não é justo tirarem isso de mim, isso é fruto de racismo”, diz Anna.

Há três anos, a artista foi contemplada pelo Edital Natura Musical, que em parceria com a amiga Bruna BG, vai lançar um álbum visual do projeto em 2022. O ano vai contar com grandes movimentações na carreira da artista, como um show confirmado no Se Rasgum, lançamentos de dois feats, além de uma possível turnê e temporada em outros espaços do Brasil. Nas palavras da MC: Ela vai estar pra gastação!

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