O músico britânico, que integra a banda Ride e
já fez parte do Oasis, lançou o primeiro trabalho solo da sua carreira de mais de três décadas.
Texto Fabiana de Carvalho
Andy Bell tinha acabado de fazer 20 anos quando saiu Nowhere (1990) o primeiro disco de sua primeira banda, o Ride. Trinta anos depois, dois meses após completar 50, em outubro de 2020, lançou o seu primeiro álbum solo, The view from halfway down.
Ele diz que começou a pensar na ideia ainda nos anos 90, e que chegou a considerar gravar um disco solo quando o Ride se separou, em 1996, mas acabou optando por formar uma nova banda, o Hurricane #1.
Mas, apesar de o fim do Ride ter acontecido principalmente por causa de atritos entre ele e o outro guitarrista e vocalista, Mark Gardener, que disputavam o posto de principal compositor, ele garante que nunca pensou em gravar sozinho quando ainda estava na banda. E também não sabe dizer se, caso ele – ou Gardener – tivesse feito isso, aquela história teria tido um final diferente.
“Foi o Mark quem encerrou a primeira formação da banda, então talvez sim, do ponto de vista dele, mas eu não sei, você teria que perguntar a ele”, diz, em entrevista à Revista Balaclava.
Depois de dois discos com o Hurricane #1, Bell foi convidado a tocar baixo no Oasis, de lá acabou parando no Beady Eye e o projeto solo foi ficando de lado. Em 2015, o Ride se reuniu, inicialmente para alguns shows, mas desde então já gravou dois discos de músicas inéditas.
“Eu estava ocupado com outras coisas que ganharam mais prioridade da última vez (que pensei nisso)”, resume.
No começo de 2016, a morte de David Bowie fez com que Bell refletisse sobre a vida e repensasse a ideia, mas, ainda assim, suas músicas solo – ou seus esboços de – continuaram arquivadas. Veio então 2020, com uma pandemia que cancelou turnês, planos conjuntos e isolou milhões.
“Eu estava sentado nesta pilha de faixas quase concluídas, junto com todas as outras centenas de ideias que haviam sido deixadas de lado desde que eu comecei a fazer música. O lockdown me deu a oportunidade de encontrar uma maneira de apresentá-las ao mundo”, explicou, quando anunciou que enfim lançaria seu primeiro álbum solo, ainda em agosto do ano passado.
“O isolamento forçado foi uma das razões pelas quais este álbum aconteceu. Eu estava planejando um single, mas com todo o tempo extra em casa, pude preparar mais músicas e mudar o plano para torná-lo um álbum. Sem a Covid-19, o Ride estaria em turnê durante toda a primavera e o verão e não haveria tempo para isso”, reforça agora.
E, apesar do título inspirado em um sombrio poema de um suicida – tirado de um episódio homônimo da temporada final da excelente série Bojack Horseman – o músico garante que não há nada de depressivo no disco ou em seu processo criativo ou de gravação.
Bell, fã da série da Netflix, diz apenas que ficou impressionado, no bom sentido, com o penúltimo episódio do programa, que assistiu durante uma turnê nos EUA em 2019. E que gostou especialmente do poema, em que um personagem que pula para a morte e se arrepende imediatamente fala sobre “a vista na metade do caminho” durante sua queda.
“Se você se colocar no lugar da pessoa do poema, isso faz você valorizar sua vida, pelo menos espero que seja esse o efeito que ele tem. Espero que o título faça as pessoas pararem e apreciarem o que têm, da maneira como eu fiz quando o ouvi”, explica.
Quanto à sua própria vida, mesmo durante o isolamento forçado e a pandemia que assola o planeta, ele garante que está tudo perfeitamente sob controle.
“Estou bem, obrigado. Felizmente, ninguém da minha família ficou doente. Tenho dois filhos pequenos em idade escolar e uma esposa que também trabalhava em casa, então nossa vida ficou realmente cheia, tentando fazer tudo de uma vez. Mas lidamos bem, não posso reclamar”, diz.
E, a julgar pela sonoridade, ele realmente não parece preocupado ou descontente. Abrindo com a ensolarada “Love Comes in Waves”, cujo lançamento em 11 de agosto foi seu “presente de aniversário” confesso, The View from Halfway Down é um passeio pelo seu tradicional pop perfeito emoldurado por guitarras, psicodelia e mais experimentos com eletrônica e krautrock do que o Ride ou suas bandas posteriores ousaram.
“Beatles, Stone Roses, Neu!, Can e Spacemen 3” são as bandas citadas quando Bell é perguntado sobre o que mais ouviu enquanto estava preparando seu disco e o que mais o influenciou. As últimas três também foram citadas repetidamente quando participou de uma listening party do álbum promovida por Tim Burguess, do Charlatans, e comentou cada uma das faixas. E, ao ouvir músicas como “Indica”, entende-se bem do que ele está falando.
Para produzir o álbum, Bell chamou um velho amigo e parceiro de bandas, Gem Archer, ex-Oasis e Beady Eye. Além de tocarem juntos durante mais de uma década, eles também compunham. O que, inclusive, é algo que acaba sempre um tanto subestimado à sombra do sobrenome Gallagher.
“Na verdade eu era encorajado a apresentar músicas no Oasis. E no Beady Eye a composição era dividida entre três pessoas, eu, Liam e o Gem”, esclarece.
Ele lembra que, enquanto esteve no Oasis, compôs “A Quick Peep”, “Thank You for the Good Times”, “The Nature of Reality”, “Keep the Dream Alive” e “Turn Up the Sun”. Do Beady Eye, são de sua autoria “Four Letter Word”, “Millionaire”, “The Beat Goes On”, “Kill for a Dream”, “World Outside My Room”, “Face the Crowd”, “Soon Come Tomorrow” e I’m just saying”.
E, apesar do fim atribulado do Oasis e das brigas entre os irmãos Liam e Noel, ele prefere guardar a parte boa daquela experiência. “Eu tenho algumas memórias incríveis. É ótimo pensar no quanto nos divertimos e na ótima música que fizemos juntos”, diz.
RIDE
Em 2019, o Ride veio ao Brasil pela primeira vez, para um show no Balaclava Fest em São Paulo. Dos quatro músicos, apenas Bell já tinha estado no país antes, com o Oasis e o Beady Eye, e – antes de finalmente chegarem – dizia estar ansioso para trazer os amigos.
“Foi brilhante levar o Ride ao Brasil pela primeira vez. Eu tive ótimas experiências com o público brasileiro ao longo dos anos, com as outras bandas em que toquei, então sabia que o show seria incrível. E foi”, confirma.
“Pessoas ótimas que adoram se divertir e adoram shows de rock” é sua descrição dos brasileiros.
Assim como muitas outras bandas, o Ride também foi obrigado a antecipar o fim de uma turnê por causa da pandemia de coronavírus, e a cancelar participações em festivais. Bell diz que eles estão começando a pensar no que vão fazer em 2021, mas ainda não há nada definido.
“Estamos começando a pensar nos planos, mas é muito difícil imaginar neste momento. Não quero que ninguém seja colocado em perigo por ir a um show do Ride. Mas mal posso esperar para fazer tudo aquilo de novo. Temos todos que fazer nosso melhor para atravessar esse período e esperar pela festa que o mundo todo vai poder fazer quando isso acabar”, torce.
Isso também inclui o que irá fazer com o disco solo. “Não tenho planos para tocar meu álbum ao vivo ainda. Mas em algum momento no futuro acredito que vai acontecer”, diz.
Por enquanto, porém, uma coisa é certa:
“Definitivamente haverá outros. E o Ride vai continuar também”, promete. ☺