Em Trava Línguas, a artista teve que se desconhecer para se conhecer, além de vencer medos e superar as expectativas da indústria.
Texto Pétala
Foto Wallace Domingues
Quem tem medo de Linn da Quebrada? Para o espanto de alguns, a resposta correta seria ela mesma. Após se fazer conhecer no mundo da música com Pajubá, seu disco de estreia lançado em 2017, ela foi de norte ao sul do Brasil, sem contar as viagens internacionais, e também, de certa forma, foi do céu ao inferno.
Após retornar às suas raízes musicais, espirituais e até geográficas, a artista se apresenta novamente em Trava Línguas. O trabalho foi produzido pela própria Linn, ao lado da produtora e DJ BADSISTA e da percussionista Dominique Vieira.
A mesma Linn, mas diferente, mais corajosa, mais Lina, menos do mundo e mais de e para si própria. Leia a nossa conversa com a artista:
Como você está se sentindo a “ressaca” do lançamento do Trava Línguas?
Por ser uma artista independente, vejo um tipo de musicalidade, que às vezes é estimulada no mercado, com uma certa sonoridade mais dançante, mais pista. Por eu me perceber querendo provar de outras frequências e de outras texturas sonoras, tinha dúvida de como o público receberia isso. Porque eu sinto que eu fui muito honesta com tudo que propus ao lado da Dominique [Vieira], ao lado da Rafaela [BADSISTA] – e elas estavam mais confiantes do que eu. Elas sentiam que era isso que a gente precisava fazer, e que as pessoas iam gostar e quem não gostasse tudo bem. Eu não estava tão preocupada com gostarem ou não gostarem, mas estava receosa de como meu público receberia. Vejo as pessoas abraçando muito o disco… Ontem eu fiz uma pergunta no Twitter para tentar entender porque as pessoas tem gostado tanto, e não subestimando assim, duvidando que as pessoas estejam gostando, mas porque eu vi alguns comentários tendenciosos.
Quando dizem, alguns comentários no YouTube sobre a minha suposta “evolução musical”. Esse comentário de evolução musical está muito ligado ao vocabulário que eu tenho usado agora, que é um vocabulário sem palavrões. Curioso isso. Me incomoda como as pessoas vinculam um não palavrão como uma evolução musical. Porque eu não acho que o Pajubá seja menos evoluído musicalmente, nem qualquer outra coisa. Nesse momento, eu queria propor outras frequências, outras texturas vocais, outros vocabulários, queria me aproximar de outras pessoas, queria me aproximar da minha mãe. Para resumir tudo: estou muito feliz, tentando ainda entender quem está chegando, entendendo do que as pessoas estão gostando, me preparando agora para erguer o novo show, para entender quando será possível e em quais condições… Estou mais ou menos assim.
Sobre o seu receio de compartilhar o disco para os seus fãs mais próximos, qual era seu receio exatamente? Era relacionado a essa questão da música categorizada como “LGBT”?
Exatamente, era esse o meu receio. Eu acho que existe essa contradição, em que tanto a arte limita a vida, quanto a vida limita a arte e as suas fronteiras. Por que eu estou dizendo isso? Quando muitas pessoas vinham falando assim do do meu trabalho, de ser um hino LGBT, e sempre vinculando os meus processos criativos, nossos processos criativos às nossas trajetórias, aos nossos percursos identitários. E é curioso perceber isso porque nós criamos fissuras, brechas e rachaduras nesse mercado a partir dos nossos processos identitários. Porém o que o mercado fez com a gente, essas artistas que são tão múltiplas, se a gente pensa em Liniker, Jup do Bairro, eu, Pabllo [Vittar], Gloria [Groove], Kaya [Conky], Lia [Clark], Pepita… Nós temos musicalidades muito diferentes uma das outras, e propostas artísticas diferentes. Quando o mercado nos rotula enquanto música LGBT, ele não está rotulando o nosso trabalho, ele não está categorizando a nossa música, ele não tá falando do nosso gênero musical, eles estão categorizando, e marcando mais uma vez os nossos corpos. E eu não queria me inserir de novo nessa lógica, porque eu sinto que ela limita o meu imaginário e que limita as minhas ações. Talvez seja por justamente isso que eu fosse de encontro a uma expectativa das pessoas que me acompanham e esperavam que eu continuasse falando do que já falei ou que continuasse fiel a minha própria imagem.
Além do que, aquela é uma imagem que já não corresponde mais ao meu presente, corresponde a quem eu já fui. E por isso sinto que precisei abandonar determinadas expectativas para entender, e ter a coragem e generosidade comigo mesma de me perguntar e de entender – de perceber o que é que eu preciso ouvir agora. É uma percepção que eu acredito enquanto artista, que tem muito a ver com o meu trabalho: me comunicar com o presente. Pajubá foi uma chave muito importante naquele momento, não só Pajubá, mas também todas essas outras artistas que também são e foram produtos do nosso tempo. Agora, os tempos são outros. O mercado e o capitalismo, nessa qualidade elástica de se apropriar e de agarrar novas coisas para transformá-las em produtos instaurando essa inclusão pela exclusão. Esse capitalismo que se adapta e que se apropria de forma extrativista dos nossos corpos. Hoje as minhas necessidades são outras, porque eu preciso continuar estabelecendo novas rotas de fuga. E é isso que eu sinto que eu estou fazendo agora e propondo com o Trava Línguas.
Quando caiu a ficha que a indústria estava fazendo isso com você e com as suas cicatrizes?
Eu não tenho muita certeza exatamente de quando, mas teve um determinado momento em que as coisas perderam um pouco o prazer. Perderam um pouco o sentido, a necessidade, sabe? O foco do que eu estava falando ou pra que eu estava fazendo. De certa forma, via que tudo aquilo já havia sido incorporado, que eu já tinha me tornado uma representação de mim mesma. E não era mais uma apresentação de que os meios os quais eu estava sendo inserida estavam dispostos a pensar e utilizar a representatividade como um trampolim para chegar em outros espaços. Eu sentia que, de certa forma, nós todas estávamos – e estamos – dentro desse mercado correndo atrás do próprio rabo. Sem sair do lugar, correndo atrás do próprio rabo, numa lógica que a gente não se movimenta. Por isso, o que me fez, o que faz com que eu me pergunte sobre as coisas é tentar entender se é possível existir a diferença na repetição. E se é possível encontrar a repetição na própria diferença, que é esse lugar que a gente estava sendo estimulada a ocupar. Quando eu falo sobre essa inclusão pela exclusão não sei se você me entende. Nós éramos excluídas nesse mercado né? E a gente exige e a gente torna insustentável para esse mercado ignorar as nossas existências. Então esse mercado nos incorpora ao seu todo para uma lipo circulação entre a indústria fonográfica. Ele nos incorpora e cria um pequeno reduto dentro disso que fala: “Aqui é a música de resistência”. Então, vem todas aqui dentro, música LGBT, música negra, enquanto todos os outros artistas percorrem todos os outros espaços. E é nesse lugar que eu entendo essa inclusão pela exclusão.
Eu acho que isso começou a ficar evidente com o tempo: vou me sentindo gastada, vou me sentindo esgotada, e vou percebendo que as perguntas se repetem. E as mesmas perguntas e que essas mesmas perguntas fazem com que eu tenha que voltar para um lugar que eu já não estou mais interessada em discutir.. Porque eles não acompanham essa discussão a ponto de querer avançar, eles voltam sempre para o mesmo lugar, e isso faz com que eu tenha que voltar para o mesmo lugar. Nós, artistas de identidade LGBT, mas com sonoridade são diferentes, tenhamos que voltar pro mesmo lugar. A discussão não avança, e começa a me incomodar, isso começa a me deixar esgotada, isso pra me fazer perder o tesão, isso começa a me fazer perguntar por que que eu estou fazendo isso? Se eu mesma estou servindo como distração, e isso começa a me enfraquecer, a me despotencializar, então começo a perder um pouco o sentido das coisas. De certa forma, Trava Línguas também é um lugar de reconexão.
Uma coisa que começou a acontecer comigo e foi muito curioso… Comecei a ter medo. No começo de Pajubá, eu sabia o que eu estava fazendo. Eu sabia para onde eu tinha que ir. Com o tempo, fui tendo que sempre voltar, voltar pra esses lugares, repetir as mesmas questões, sobre artista do gênero, sobre um lugar LGBT, e eu não estava mais disposta a negociar. Comecei a ter medo de experimentar e a ter medo do erro. Porque no começo da minha carreira, sinto que eu não tinha nada a perder. Esse mercado se instaura na gente, por ser esse esse banquete de migalhas que faz com que a gente tenha medo de perder um pouco do que a gente já tem. E com Trava Línguas eu estou indo com medo, estou entendendo que o medo não vai nos abandonar, não vou ter que esperar perder o medo para então eu experimentar algo novo. Estou entendendo que é preciso ir com medo, ir com dúvida, ir com desejo, ir com vontade, ir com tudo. Mas com medo também. Assim a gente continua caminhando e não fica parada no mesmo lugar.
Quando você percebeu que Trava Línguas, do jeito que veio à ser, precisava nascer?
Não dava mais pra adiar. Eu estava realmente arrumando desculpas… Mais uma vez eu cito isso mas, eu acho é importante, me adoeceu psicologicamente. Sinto que fui estuprada midiaticamente durante todos esses anos, e de uma forma quase consentida, o que torna tudo ainda mais doloroso. Coisas que eu me permitia, o que eu precisava delas também, tudo era muito novo, e eu não estava entendendo, estava sendo enganada. Isso me adoeceu de uma maneira que eu desenvolvi um calo em corda vocal, tive crises de ansiedade e crises de pânico. Estava adiando o máximo que eu podia, até o momento em que não dava mais, era preciso se encarar. Me propus encarar, me propus a encontrar com a BADSISTA, a tentar, dar o primeiro passo e a voltar a escrever. Fiquei com tanto medo que eu evitava caneta, evitava tentar com medo de falhar. Então, quando eu tentei, acabei descobrindo algo novo, abri uma porta, e entendi que precisava fazer isso pra mim.
Foi preciso encontrar outros caminhos, então foi na imersão com a BADSISTA e com a Dominique que eu descobri de novo como é gostoso fazer música. Como é gostoso brincar, como é gostoso você tentar coisas, como é gostoso você se divertir inventando. Criando uma improvisação, sabe? Experimentando as palavras que já estão na sua cabeça – é só tentar. Foi nesse momento da tentativa e do enfrentamento das nossas inseguranças. Porque a BADSISTA também estava ansiosa, insegura, todas nós fomos adoecidas por esse sistema, por essa temporalidade pandêmica, por esse isolamento das outras coisas. Tudo isso tem criado em nós um modo de ser no mundo que ainda é muito novo e que a gente não compreendeu. Então todas nós fomos com medo, tentamos dar esse primeiro passo, nos dispusemos a atentar mesmo e foi maravilhoso perceber quanta coisa a gente tinha – e quanta coisa ainda temos pra experimentar. Eu tinha a sensação de que tudo já foi dito, não tinha mais nada a dizer. Mas sinto que o silêncio também é movimento, e que é preciso descobrir que silêncios, que movimentos, que espaços, que lacunas, ainda possam ser preenchidas. É isso que eu estou fazendo.
O que você, BADSISTA e Dominique Vieira estavam ouvindo e curtindo para preparar o disco?
É curioso pensar nas inspirações, porque eu sinto que as influências foram muito orgânicas. A gente não falou: “ah, eu tenho ouvido isso, olha isso”. Tanto que na primeira intenção, ainda era seguir um caminho pelo qual a gente tinha trilhado, nas experimentações performativas de Trava Línguas, que é um universo muito mais eletrônico. Mas a BADSISTA estava com muita vontade de tocar instrumentos e de tocar guitarra. Então a gente experimentou algumas coisas com ela tocando guitarra. A Dominique estava tentando entender como tocar a percussão com a emoção e com outros ritmos também.
Nós estávamos muito latinas, essa é a verdade. Gosto de música brasileira porque eu gosto da música que eu entenda o que se está sendo cantado. Sou muito ligada na narrativa e não sei falar inglês com fluência. Eu ouço muito Angela Ro Ro, Gilberto Gil, Elza Soares. Então não foram lugares de onde a gente partiu, mas quando a gente escuta, eu vejo ali um Cazuza, eu vejo ali uma Ro Ro. A gente partiu de uma sonoridade que a gente gostaria que as nossas mães pudessem ouvir.
Eu vi dois comentários na internet: um que falava justamente sobre sua sonoridade ter semelhanças ao Cazuza e outro que dizia que você era uma mistura entre a Madonna e o Itamar Assumpção. Poderia comentar?
Eu amo o Itamar! Acho isso possível porque escuto há muito tempo, e fiz aula com a Tata Fernandes, uma das Orquídeas do Itamar Assumpção e as Orquídeas. Fiz aula de música na Escola Livre de Teatro. Então foi algo mais orgânico, do que “vamos usar essa referência”. Por exemplo, tem uma música, a “onde”, que ela tem um quê de footwork e jungle. Porque era algo que eu já curtia, mostrava pra BADSISTA, coisas que eu procurava, sentia de uma forma gostosa e que eu queria dançar. A gente foi incorporando essas sonoridades de uma forma experimental. Eu escrevo todas as letras antes e então eu vou mostrar pra BADSISTA. Tem gente que escreve no beat já, mas eu escrevo e vou cantarolando em cima do nada.
Falando sobre as suas composições, sempre achei muito interessante a sua habilidade com os jogos de palavras. Me faz pensar que você poderia lançar um livro de poesias ou algo do tipo. Como aconteceu o seu processo de composição especificamente para esse disco?
Eu deveria ser mais disciplinada, mas sou muito indisciplinada, porque eu espero vir a inspiração (risos). Começo a perceber que certas palavras têm aparecido, que cavalos eu tenho cavalgado nos meus pensamentos constantemente. Percebo se estou pensando muito em rota de fuga, nos meus passos, em pegadas, e vou entendendo como elas podem se ligar. Me aproximei muito da Castiel Vitorino Brasileiro, psicóloga, macumbeira, artista visual, minha amiga, minha parceira, e eu propus pra ela: “vamos escrever uma música juntas?”. Um ponto que abra o disco, então ela escreveu “Amor Amor”. Eu musiquei com a Bad e a Domi, então essa é uma das poucas que eu não escrevi, mas foi um prazer imenso cantar.
Um outro ponto de encontro se deu em Stella do Patrocínio. Hoje ela é tida como poeta e artista. Os seus falatórios são vistos como obra, mas na verdade a gente sabe que a Stella do Patrocínio foi patologizada, psiquiatrizada e encarcerada na colônia Juliano Moreira. A extração dos seus falatórios já denotam a violência psiquiátrica, violência médica e a violência institucional ao qual o seu corpo foi submetido. Eu me encontro de uma forma radicalmente, ainda que oposta, muito similar às violências que ela sofreu. Eu conheço a Stella do Patrocínio e venho me aproximando dela há pelo menos uns três ou quatro anos, sempre com muito cuidado. Ainda estou entendendo o lugar dos falatórios, para saber em que medida o mercado se apropriou de tudo que ela disse, extraiu tudo dela, sem se importar com o corpo mantido na colônia, onde ela morreu. E por perceber que a branquitude fez livro, música, disco, festa de teatro, se apropriou de tudo isso e nunca esteve interessada em discutir a posição da Stella ou discutir a luta antimanicomial.
Vou criando a partir de uma decomposição. Entendo o que é que eu preciso dizer, o que preciso ouvir, o que que eu preciso ter a coragem de dizer na frente do espelho. Vou brincando com algumas metáforas e com matéria concreta da palavra, em uma disputa pela linguagem, que é colonial, e ao mesmo tempo em uma tentativa de anti-colonizar.
“Eu Matei o Júnior”, é uma das músicas mais poderosas do disco e a presença da Ventura Profana traz uma intensidade ainda maior. Você pode me contar mais sobre essa faixa?
Tivemos uma proximidade muito peculiar, a gente estava próxima mesmo que não tanto. Em dado momento, ela foi fazer um show na Fazenda da Juta, que é de onde eu venho também. Ela foi fazer um show na Periferia Preta Online e eu fui ver com o pessoal da organização. Quando o show terminou, a gente começou a brincar com o microfone. O Jonathan, Podeserdesligado, começou a colocar alguns vídeos, umas coisas e a gente começou a criar em cima daquela sonoridade. Eu já tinha algumas células sonoras que estava experimentando, e a Ventura veio com a arrematadora “Eu Matei O Júnior”. Nós, pessoas trans e travestis, que vem de um processo de se nomear e se renomear, e para muitas nós que fomos Júnior, eu já fui. De certa forma, eu ainda sou porque até agora não consegui fazer a retificação do nome. A Ventura também está nesse processo.
De qualquer forma, não tem dúvida de que para além da retificação, nós já matamos o Júnior. Matar o Júnior não de uma atitude cruel, mas generosa, onde o próprio Junior oferece o seu corpo como um sacrifício para a incorporação – para que continue havendo vida. Me interessa mais ainda porque eu entendo a morte como uma dança com a vida, não falando desse projeto genocida político que nos mata cotidianamente, ordinariamente. Estou falando de um processo em que é necessário entender que algumas coisas precisam morrer para que outras possam nascer. Um processo de abandonar aquelas que você já foi. E a Ventura fala muito em vida, ela canta, “Eu não vou morrer”. Mas me interessa essa morte simbólica que nos permita que a gente possa ser outras coisas, para que a gente possa ser incorporada a nós mesmas. Quando eu estava na imersão, escrevi a música com partes daquilo que a gente experimentou, e quando a música ficou quase pronta, fui falar com a Ventura pra gente estar juntas nessa música. Foi muito difícil, porque ela quebrou o pé, estava sem tempo, eu estava a ponto de desistir. Tentei até o último momento e conseguimos. Percebo o quão importante é ter Ventura Profana no disco. Ter suas palavras, presença e o nosso encontro matando o Júnior e oferecendo o seu corpo em sacrifício pra gente.
Você mencionou na audição [do álbum para imprensa e fãs] a respeito de um filme para Trava Línguas. Você pode contar mais alguma coisa sobre?
O Trava Línguas faz parte de um projeto que foi contemplado pela Natura Musical, então para além do disco, foi um compartilhamento de processos. Estava interessada em compartilhar o processo e os caminhos. Fizemos o “mudinho trava línguas” (grupo no Facebook) para me aproximar das pessoas que nos acompanham. Sinto que elas estavam e estão tão íntimas com o disco, elas foram acompanhando cada etapa. O filme passa pelo lugar de entender e tentar entender “quem soul eu”. E para entender quem sou eu, percebo que é importante saber de onde eu vim, de onde eu venho, e daquelas que vieram antes de mim. Para isso, além do compartilhamento de processos, além de mostrar a imersão, o estúdio, a gravação, os medos, tem também um processo de voltar a Viçosa, em Alagoas, a cidade onde a minha mãe nasceu. Para tentar refazer os passos que a minha mãe fez na cidade, tentar entender de onde nós partimos, e onde eu estou agora. Para repensar os movimentos, onde estamos indo, repensar essas coreografias, esses cálculos que nos levam aquilo que muitas chamam de destino. Quando chego em Viçosa, me deparo com a impossibilidade de saber quem sou eu, com o apagamento das nossas histórias, com a memória de uma população indígena dizimada em Vitória. Me deparo com um dos pontos de rotas de fuga de Zumbi dos Palmares e com o seu assassinato. Morte, esquecimento, impossibilidade e a necessidade de inventar novas memórias. Me deparo com a música proveniente desse corpo e dessa história. Uma música que busca inventar novas coisas. Todo esse processo vai se tornar Trava Línguas, “quem soul eu”, o filme, que estou dirigindo. A minha primeira obra onde sinto que não sou terceirizada, que fazem um filme que terceiriza a minha narrativa. Sou eu dirigindo junto com o Rodrigo de Carvalho. A gente pretende lançar em meados de setembro ou outubro, estamos caminhando. Já gravamos tudo que tínhamos pra gravar, agora a gente vai começar o processo de pós-produção e edição.