Investigamos a história da “coreomania”, a inspiração por trás das músicas do novo trabalho da artista, lançado em maio deste ano.
Texto Thaís Ferreira
Foto Divulgação
O elemento da dança sempre foi algo marcante na carreira de Florence Welch. Se no fim da primeira década de 2000 ela se tornou mundialmente conhecida com “Dog Days Are Over”, música que fez com que muita gente dançasse freneticamente, seja em pistas de boates ou festivais, em 2022 esse tema é a grande inspiração de seu novo trabalho, o álbum “Dance Fever”.
No entanto, a “febre” de Florence vai além do que a sua música provoca e volta até a Idade Média, quando diversas pessoas foram movidas por uma vontade incontrolável de dançar, e onde muitas delas fizeram isso até morrerem.
Em julho de 1518, Frau Troffea começou a dançar pelas ruas de Estrasburgo, na França. Ela não ouvia nenhuma música, nem tinha um motivo específico, apenas seguia o desejo involuntário de se movimentar. Esse episódio afetou o dia a dia da cidade e logo ganhou espectadores, que observavam a insistência de Frau em continuar dançando por quase uma semana, mesmo após desmoronar diversas vezes pela exaustão. Contagiados, os moradores logo pararam de observá-la e se juntaram a ela.
As autoridades locais, sem saber a melhor forma de lidar com a estranheza do caso, decidiram incentivar a coreomania: músicos e dançarinos profissionais então se juntaram ao grupo, que estima-se ter alcançado por volta de 400 pessoas. A epidemia só acabou em setembro do mesmo ano, inesperadamente, causando a mesma perplexidade de quando surgiu. Especialistas não entram em acordo sobre quantas pessoas morreram no total, mas há uma teoria de que até 15 pessoas morriam diariamente ao longo desses dois meses.
Mais de meio século depois, Florence Welch escreveu sua própria “Choreomania”, uma das 14 faixas de “Dance Fever”. Nela, a artista britânica se coloca nos sapatos de Frau Troffea ao cantar: “Eu não sei como começou / Não sei como parar / De repente, eu estou dançando / Ao som de uma música imaginária”.
A história do que aconteceu na cidade francesa no século XVI, a princípio, se amarra completamente a Dance Fever. Em 2019, Florence soube da história da praga da dança quando seu amigo Juliano Zaffino, um poeta canadense que vive em Londres, a mencionou no poema “Estrasburgo”, parte da coleção de poemas “All Those Bodies and They’re Moving”.
À Revista Balaclava, Zaffino explicou o pano de fundo do seu poema: “‘Estrasburgo’ foi a primeira de muitas tentativas de contar a minha própria história da praga da dança: ao imaginar a história, ela se passa em um futuro distópico que se assemelha ao nosso verdadeiro passado, em uma boate gay chamada ‘Estrasburgo’, em uma cidade como Berlim, mas é a última boate gay, o último refúgio seguro para pessoas queer, e alguma autoridade terrível está prestes a derrubá-la. Uma mulher começa a dançar, e mais e mais pessoas se juntam a ela, rebelando-se contra a autoridade não apenas para salvar a boate deles, mas as suas vidas e identidades.”
Welch, fixada pela coreomania e já com algumas canções de “Dance Fever” já escritas em março de 2020, decidiu ampliar os temas tratados no álbum quando a pandemia estourou em Nova York, cidade onde ela estava trabalhando com Jack Antonoff, um dos produtores do álbum.
De volta a Londres, Florence decidiu não fazer um disco completo sobre outra doença – dessa vez atual – que ninguém conseguia explicar. Em meio aos sentimentos contraditórios e à incerteza do que estava acontecendo, surgiu “Heaven is Here”, a primeira música do álbum escrita durante o lockdown da cantora em Londres. Em seu Twitter, Florence contou: “Eu queria fazer algo monstruoso. E esse clamor de alegria, fúria e pesar foi a primeira coisa que saiu”. É possível traçar um paralelo entre Florence e Frau Troffea no videoclipe de “Heaven is Here”. Na produção, a cantora lidera um grupo de dançarinas que se movimentam energeticamente junto com ela, enquanto a expressão de Welch transita entre dor e uma espécie de alívio maníaco.
Na visão de Juliano Zaffino, que apresentou Welch ao fio condutor de Dance Fever, “o trabalho de Florence me faz pensar não na praga da dança de Estrasburgo, mas na minha versão dela: não exatamente (ou não apenas) uma coisa aterrorizante e trágica, mas algo sombriamente belo, um ato de desafio e bravura. E na arena, ou no campo do festival, ou no teatro, a infecciosidade do movimento de Florence significa que, enquanto ela dança para se libertar do peso das músicas e das emoções por trás delas, nós fazemos o mesmo, na multidão, todos dançando juntos desamparadamente, uma frente unida contra a infelicidade”.