O duo formado por Shuna e GP celebra suas influências musicais e estéticas no álbum de estreia “BXD IN JAZZ”
Texto Daniela de Jesus
Foto Pedro Napolinário
“O rock, o blues e o jazz / Se encontram no mesmo lugar / E eu me encontro aqui”, é assim que o álbum “BXD IN JAZZ” lançado em 2021 pelo YOÙN, formado por Shuna (Alisson Jazz) e GP (Gian Pedro), se inicia. O trecho é recitado na faixa “Intro” e antecede a romântica “Só Love”. Com uma prévia do que está por vir nas 12 faixas do disco, os artistas ressaltam as principais referências sonoras e culturais de seu trabalho de estreia, lançado em parceria com o selo JOINT.
Naturais de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, o duo faz questão de propagar o nome da região fluminense. Inclusive no título do primeiro trabalho, que traz uma abreviação da Baixada representada por BXD. “Queremos levantar o nome da Baixada e com certeza colocar o nome no nosso álbum é o início disso”, destaca GP.
Desde cedo incentivados pelos familiares para praticar algo relacionado a música, Shuna e GP sempre estiveram ligados em diferentes sons, e foi na escola que a parceria entre os dois se firmou. Após tocar entre as linhas dos trens que levavam da Baixada até o centro do Rio, os artistas lançaram seu primeiro single em 2019, a faixa “Meu Grande Amor” como uma prévia do álbum “BXD IN JAZZ”, que chegou nas plataformas em abril de 2021.
“BXD IN JAZZ” sintetiza o trabalho percorrido pelo duo nos últimos anos, trazendo as principais referências musicais que estavam presentes desde os sons apresentados pelos seus familiares. Com toques de jazz, rock, R&B, hip hop e blues, os artistas trazem um trabalho dedicado, principalmente, à love songs. Como as faixas “Meu Grande Amor” que celebra o encontro após tantos desencontros, “Follow Me” que sonha com a reconciliação com uma pessoa especial e o amor bossa e sorriso jazz cantado em “Jazz”.
Por outro lado, as faixas “Só” e “Se Foi” trazem o lado do fim e do rompimento, ressaltando as despedidas e a saudade. Enquanto as últimas faixas se afastam da temática do amor, em “Inebrio” é narrado um momento de celebração e descobrimento e “Cores e Peles” finaliza o álbum clamando por forças através do resgate da ancestralidade.
O disco conta com a produção musical de Júlio Raposo, Thiago Dom e Lux Ferreira, em coprodução com a JOINT – Dudu Kaplan, Carlos do Complexo e Junior Neves. Em entrevista à Revista Balaclava, Shuna e GP falaram sobre como a música surgiu na vida de cada um, como o YOÙN surgiu, quais foram os maiores perrengues de tocar na rua e os bastidores da produção do “BXD IN JAZZ”.
Como surgiu a relação de cada um de vocês com a música?
GP: Minha relação surgiu dentro de casa com os meus familiares, vendo os meus primos, meus irmãos, meu pai e minha mãe juntos. Eles estavam sempre trocando informações de estar tocando junto na igreja e em casa. E foi com eles que eu tive essa base de acompanhar, tanto a parte teórica quanto prática. Com todo mundo trabalhando e aprendendo junto. Eu vendo isso quis fazer parte, sabe? Essa foi minha inspiração para começar a correr atrás do meu instrumento e tocar alguma coisa.
Shuna: O meu também foi com a minha família. Minha família naturalmente vem da música, ouve bastante música, consome música. Eu sempre me inspirei muito na figura do meu tio, que foi um dos familiares que mais se entregou para música. Eu andava muito com o meu tio e ele era um cara muito respeitado, sendo considerado como um super-herói para mim. Eu queria parecer com ele, queria que ele e minha família tivessem orgulho de mim. Além disso, minha avó foi a pessoa que incentivou e investiu em música na vida de todo mundo. Ela colocava todo mundo para fazer e estudar música, então acho que foi inevitável. Se eu não fosse músico eu seria artista de alguma forma, não ia ter para onde fugir.
Uma coisa que as duas famílias têm em comum é o incentivo para estudar e fazer música. Mas como aconteceu a junção da dupla e como foi a trajetória do YOÙN até o lançamento do álbum “BXD IN JAZZ”?
GP: Agora partindo para o fim da adolescência e começo da vida adulta, quando começam a passar alguns perrengues. Nessa época eu estava trabalhando na barbearia e o Alisson estava desempregado. Nisso, nós estávamos atrás do nosso corre. A nossa amizade começou na escola e desde então nós nos reuníamos para compor e tocar juntos. Um dia o Alisson me ligou sugerindo para gente colocar nosso trabalho na rua, nos trens. A partir daí tivemos algumas formações antes de ser um duo. Mas, nesse começo, não ganhamos muito dinheiro porque não sabíamos muito como trabalhar no trem e ganhar dinheiro. Até que em uma das formações o Daniel, que já era conhecido do Alisson, começou a tocar com a gente e aos poucos as coisas foram acontecendo.
Shuna: Com essa formação de trio conseguimos receber os primeiros feedbacks legais. Nisso começamos a se destacar muito no trem, tanto é que os passageiros elogiaram muito, aplaudiam e cooperavam financeiramente. Foi onde começamos a ter uma visão mais de artista. Logo depois desse período do trem e metrô a gente entra na Joint em uma fase inicial, em que ainda era estúdio Playground, para depois se transformar na Joint. Nisso, o trio acabou mas a parceria entre eu e o GP continuou, porque nossa parceria é de anos e a música é a coisa que nos aproxima. Passamos por essa fase de nos conhecer e começar a tocar na rua, se expondo. Porque todo dia que você coloca a cara na rua você está se expondo. Toda vez que você levanta sua voz para falar algo é importante, você não pode falar besteira. Estávamos lá botando nossa cara tapa e gritando “Fora, Temer!” para caramba, as palmas redobravam (risos).
Você falou da exposição que é tocar no meio do transporte e na rua, agora eu quero saber qual foi o maior perrengue e a situação mais emocionante que vocês presenciaram quando estavam tocando.
GP: Perrengues tem vários (risos).
Shuna: No transporte tem uma organização entre camelôs, que são os caras que ficam ali na rua vendendo as paradas que vão desde eletrônicos até comida. Dentro do trem tem toda uma logística, tem uma hierarquia, tem suas leis. Com o tempo os artistas estavam começando a aumentar, nisso começou a ter tipo uma disputa de som entre o volume dos camelôs falando e a gente tocando. Um dia o cara chegou para cobrar a gente assim: ‘Pô, os caras estão fazendo muito barulho, pede para dar uma maneirada’. Aí um amigo nosso falou assim: ‘Pô, mas você é o dono do trem?’. Aí o caldo entornou, o cara veio tirar satisfação. Mas aí é que tá, tudo é um desenrolo, na rua tudo é um desenrolo. Nós conversamos calmamente com ele e tudo deu certo. Foram várias situações que vivemos que foram bem marcantes. Eu lembro de uma situação, uma vez estávamos no trem de Japeri e a galera estava muito cansada. O dia do trabalhador é cansativo, e no Rio de Janeiro não é diferente. Nós tocamos, mas não estava dando em nada e foi aí que chamamos na responsa ‘Pô, galera! Eu sei que tá duro para vocês, está dura para a gente também, mas se a gente não der uma oportunidade para abrir o coração e entender, uma oportunidade para gente se alegrar a gente nunca vai pegar. Então quem estiver disposto a abrir o coração vamos nessa’. Nisso, tocamos mais uma e quando acabou rolou muitas palmas e o pessoal saiu agradecendo. Por isso quando lançamos nosso álbum não tínhamos dúvidas que iria fazer sucesso. Porque faltava mais pessoas para ouvir o nosso som assim para se identificar. O feedback da rua é muito honesto, porque se você mandar mal a galera não precisa encher o seu ego, você não é ninguém. Então a gente teve um termômetro muito bacana para seguir carreira.
Agora falando do “BXD IN JAZZ”, como foi montar tanto a questão sonora quanto lírica do álbum. Porque na faixa “Intro” vocês já soltam as principais influências, mas ao longo do trabalho tem outras que são desenvolvidas. Então como foi essa produção?
Shuna: Sonoramente nós pesquisamos muitos sons. A gente queria muito entregar algo muito honesto, muito singular. Quando montamos a sonoridade nós acreditamos que a maioria das músicas não são músicas convencionais. Porque não são músicas pop que se encaixam no TikTok, por exemplo. Mas também pensamos de forma estratégica, eu acho que o álbum é um pouco disso, ao passar do tempo vamos entendendo os pontos que precisamos atingir sem perder nossa essência. No começo entregamos um pouco do que queremos falar, nessa primeira faixa. Esse álbum é um sonho, de conseguir montar um time bacana. A lírica do álbum foi construída muito a partir das nossas referências, sabe? As nossas referências tem uma forma lírica de falar que é engrandecedora. E a gente nunca quis ser parecido com nada, desde a época do trem tentávamos ser diferentes. Nisso, reunimos os pensamentos que tínhamos com as coisas que desejamos produzir, com um amarrado de faixas.
E de referências visuais? Eu acho que vocês têm uma ligação muito forte com a moda, tanto nos clipes, na capa do álbum e no material de divulgação. Quais são as suas principais referências visuais?
GP: A gente tem o Tyler [The Creator] como referência forte, o MF Doom, tanto no rap quanto na estética. Muito essa pegada dos anos 90, o ano que a gente ama, sabe? Querendo ou não isso acaba gritando na nossa música e acaba gritando o nosso perfil como pessoa. Quando íamos para rua nos arrumávamos do mesmo jeito que vamos no Circo Voador fazer show. Isso que chamava atenção do público, as pessoas queriam saber o que estava acontecendo. A moda sempre andou junto com a nossa música. Isso é desde sempre, desde a escola. A estética era natural dentro do que a gente sempre amou. Sempre trocamos dicas de estilo e o que fazemos na música reflete muito o nosso dia a dia.
Na série “Da Baixada Pro Mundo”, feita no Youtube, vocês contam um pouco da história da dupla. Tem um trecho que vocês falam que o desejo da YOÙN é mostrar, através da música, o que é a Baixada Fluminense. Como vocês explicariam a Baixada para quem não conhece a Baixada?
GP: A baixada é um berço de talentos, para onde você olha tem uma galera envolvida com arte. Mas a cultura não está aqui. Tem gente que trabalha com samba, o pagode, tem DJ. Mas a cultura da Baixada não abraça essa parada, sabe? Isso entristece, é difícil pra gente ter um contato direto com cultura, com eventos. Tudo bem que agora tem o processo da pandemia, mas antes já era difícil. Eu era um cara que fazia roda cultural de hip hop aqui na Baixada na área onde eu moro, no Caioaba, e nunca recebemos uma verba da prefeitura ou uma junta para fazer uma roda cultural. Mas, ao mesmo tempo, tem muita gente aqui que vive da parada artística, que está sempre mais pela Zona Sul e que está fazendo um trabalho interessante, só não fala que é daqui. Isso foi um ponto crucial pra gente escolher o nome do álbum e gritar a Baixada no nosso trabalho. Temos que trazer grandes marcas para cá, temos que chamar novos empreendedores porque a Baixada é um lugar foda, tá ligado? Queremos que as pessoas venham para cá para conhecer artistas porque já fomos muito para Zona Sul para estar próximo de tudo. Queremos mudar essa parada, queremos levantar o nome da Baixada e com certeza colocar o nome no nosso álbum é o início disso.