Para a artista baiana, que explora diferentes linguagens artísticas, a música, e em especial a escrita, são importantes meios de expressão. Conheça mais sobre o seu trabalho a seguir:
Texto Isabela Yu
Foto Iuri Lis
Quando a pandemia estourou no ano passado, a artista baiana Ventura Profana tinha planos para uma temporada de dois meses pela Europa. Além de uma residência artística no L’Usine, em Genebra, na Suíça, pretendia realizar uma série de performances em Berlim, na Alemanha. Enquanto a situação permanece incerta, a performer, compositora e escritora, segue buscando novos caminhos.
No final de julho de 2020, Ventura, ao lado da DJ e produtore musical Poderserdesligado (Jhonatta Vicente), apresentou o EP Traquejos Pentecostais para Matar o Senhor. As seis músicas do registro foram desenvolvidas pela dupla ao longo de performances realizadas durante três anos. “Desde quando nos cruzamos, estivemos envoltas nesse guerrear. Sentimos que era o momento para mergulharmos na produção do disco que daria conta de sintetizar os hinos brotados nos anos de culto realizados”, explica a artista.
Ainda no ano passado, como artista visual, desenvolveu a série de colagens “Sonda”, produzida sob encomenda para a revista semestral Zum, idealizada pelo Instituto Moreira Salles. Foi selecionada para expor no CCSP, onde apresentou a sua obra Plantações de traveco, para a eternidade. Em julho deste ano, Ventura colaborou com Linn da Quebrada na faixa “eu matei o Júnior”, presente no álbum Trava Línguas, lançado no início de julho. “No fim das contas, a pandemia acabou proporcionando um outro tempo de produção, outra postura no tempo, a amplificação e aplicação do que tanto já vínhamos falando sobre cuidado e cautela”, comenta Ventura.
Quando se inicia a sua pesquisa sobre deuteronomismo?
Por ter nascido num lar evangélico, o estudo bíblico sempre foi incentivado, para não dizer obrigatório. Por dezoito anos, vivi imersa num cotidiano cristão, sendo treinada para o exercício do serviço. Fui batizada, participei de uma série de cursos e treinamentos teológicos e ministeriais. Minha base e alicerce de vida estão situados nesse contexto. Por isso, trabalho dessa forma.
Em quantas linguagens artísticas você costuma se expressar? E há alguma favorita?
Todas as que forem possíveis e precisas. Me ponho disponível pro aprendizado, recentemente iniciei o estudo e a feitura de cerâmica, tô bem excitada. Mas a escrita, de maneiras e em suportes infinitos, me ganha.
Em quantos projetos você está se dedicando?
Não sei se consigo precisar um número exato. São muitos, alguns deles vão cruzando-se, por isso que os encaro todos como parte de um único projeto, de vida. Um livro pra parir, no qual tenho trabalho e desejado por pelo menos dois anos. Despedaçar as correntes, nadar em sentido oposto à elas implica em árduas e múltiplas tarefas. Nessa história, somos equilibristas. Dezenas de pratos, vasos e petecas que precisam ser sustentados pela boneca, no ar.
Como a música apareceu na sua vida?
A música é onipresente, onisciente e onipotente. O curioso foi como a minha vida apareceu na música. Aos quinze, ganhei o meu primeiro solo num musical de páscoa, foi interpretando o endemoniado Gadareno (rsrs), mas desde criança sonhei em cantar, qualquer degrau virava palco. Por anos, desacreditei ser possível construir algo nesse sentido. Tive vergonha de querer cantar, de amar cantar. Não achava que eu pudesse. Mas desde quando o Baphos Periféricos me convidou para performar em uma das edições, desdobrei-me por esse caminho. Quando encontrei com a tal da Pode (Jhonatta Vicente), com quem compartilho a criação e produção de Cântico dos Cânticos, ministério de louvor e adoração, a feitura de música se tornou possível, real e prioritária.
Quais são as suas referências musicais e artísticas?
São muitas. E vão desde Nívea Soares à Linn da Quebrada. Elza Soares, Nina Simone, Aretha Franklin, Jup do Bairro, Leci Brandão, The Clark Sisters, Grupo Ellas, The Sunday Service Coir, Monna Brutal, Nara Costa, as meninas Knowles (Beyoncé e Solange), Jill Scott, Virgínia Rodrigues, Kaê Guajajara, Eyshila, Dezarie, Xênia França, Chaka Khan, Verónica Valenttino, Castiel Vitorino, Deise Cipriano, Deize Tigrona, Mc Byana, MC Carol, Cassie Capeta, Jota Mombaça, Musa Michelle Mattiuzzi, Gê Viana, Sallisa Rosa, Raiz Coral e infelizmente Ana Paula Valadão.
Qual seria o clima geral do EP Traquejos Pentecostais para Matar o Senhor?
Trava de guerra, disco de guerra. {Benzedura. Conduzidas nas águas profundas espirituais, banhamos-nos em fé com canções que preparem: em tempero, armadura e poder, nossas ~almas~corpos~terra~ para a guerra. Contra o domínio cruel e colonial dos senhores, que por séculos, nos escarnece e mata. Com cantigas proféticas, de vitória e encantaria freamos o plano necropolítico e alvejante de condenação do devorador. Desembainhamos espadas flamejantes e com exatidão acertamos a flechada na cabeça do inimigo. Talhamos a letra-morta-de-morte até que ela possa se tornar novamente vida. Fruto da junção benta dos louvores~ministrações de VENTURA PROFANA ao toque~batida saturado de shofar e tambor de PODESERDESLIGADO, que invocam fôlego para ressuscitar e ensejo de restituição, na congregação preta, trans~travesti, originária.}
Como aconteceu a dinâmica de composição?
Certamente com a bíblia ao lado, fumando um e examinando as minhas anotações. Revisando textos, palavras nas quais decalco as minhas experiências e observações, conclusões, confusões. Há sempre um tempo onde preciso escrever, há certas respostas que só sou capaz de deslindar desse jeito. Mas não é regra, muitos trechos de canções vieram como espontâneos em performances realizadas por mim e Pode desde 2017. “Eu Não Vou Morrer”, por exemplo, foi sendo trabalhada no decorrer dos anos, foi a primeira coisa que gravamos e postamos na internet, mas a letra da versão do álbum só foi finalizada no dia da gravação, foi também a última a ser entalhada. Podeserdesligado vai guerreando nos loopings, produzindo os beats ao mesmo tempo que vou construindo os versos, experimentando-os melodicamente. Aí os pitacos e provocações vão sendo desencadeados. Foi assim com o saxofone, o shofar de python, as guitarras em restituição. Um dia mainha me ligou mandando que eu lesse um versículo que agora não lembro bem qual era, acho que de Jeremias, acabei incluindo em umas das letras, sabia que era um sinal.