Na primeira edição da série que vai apresentar o casting da Balaclava Records, o produtor e compositor Apeles compartilha memórias musicais, conselhos e novidades sobre os próximos passos da carreira.
Texto Isabela Yu e Isabela Pétala
Foto André Dip
Após o lançamento do disco CRUX, em 2019, o músico Eduardo Praça estava se preparando para uma turnê europeia e rodar o Brasil com o seu projeto Apeles. Com a interrupção das apresentações, o músico se viu isolado em casa e começou a compor e construir um novo trabalho, que será lançado em 2022. O terceiro álbum contará com colaborações de outros artistas e apresentará as atuais pesquisas sonoras do compositor.
As últimas unidades do vinil de CRUX estão disponíveis na lojinha da Balaclava Records. Além do disco, os fãs também recebem as últimas edições da revista. Corre lá pra garantir o seu!
Convidamos Eduardo Praça para responder algumas perguntas sobre memórias musicais, lembranças inesquecíveis de shows e quais são as músicas que estão embalando o isolamento do artista:
Você se lembra do último show presencial?
Por coincidência, meu último show foi em uma noite da Balaclava no Casarão Music Studio, em Piracicaba, no começo de fevereiro de 2020 – a noite contou também com apresentação da Gab Ferreira. Hoje, olhando em retrospecto, parece um tempo incrivelmente distante. Lembro que chegamos para passar o som, mas a expectativa era de um grande encontro de amigos, entre as bandas, com o Fabiano e Franco da Odradek, e principalmente por que algo me marcou muito: a família do nosso baterista, Leo Mattos, mora parcialmente em Piracicaba. Leo, além de um dos meus parceiros mais antigos na música, é um grande amigo, então foi muito especial conhecer a sua mãe e familiares nessa oportunidade. Depois do show ainda consegui aproveitar um pouco da noite de Piracicaba como se não houvesse amanhã e realmente não havia. Por sorte, a noite foi registrada com maestria pelos meninos para um especial da Balaclava que resultou nessa session incrível.
Pode contar uma memória marcante que viveu em um festival?
Em 2006, o Ludovic tocou no Campari Rock, evento no interior de São Paulo. Na época, esses festivais em fazendas estavam em alta. Lembro que chegamos muito cedo para passar o som e a estrutura era épica, com piscina, open bar e etc. Existia muita expectativa por conta dos headliners, que eram o Supergrass e o Mission of Burma. Estava muito ansioso para conhecer o Supergrass mas sempre tive uma mistura de respeito/timidez com artistas com quem divido o palco. Uma hora depois do Supergrass chegar na área de bandas, o famoso “family and friends”, eles estavam entrosados com todos, bebendo, conversando e logo depois iniciou-se uma partida de futebol. Tudo isso antes de subirmos ao palco. Quando tocamos foi caótico, para o bem e para o mal. Na mesma noite, o Jair Naves entrevistou o Mission of Burma, que era uma das suas bandas favoritas e principais influências do Ludovic. Inesquecível. Em 2019, fui a um show do Gaz Coombes (vocalista do Supergrass) em Berlim, depois do show, no merch, relembrei ele dessa história, e pra minha surpresa, ele lembrava de tudo com clareza e ainda confessou que o baterista quase quebrou o tornozelo na famosa pelada.
Uma dica de leitura:
Estou fascinado pelo livro de poemas “The Dream of a Commom Language” da Adrienne Rich. Meu querido amigo Hélio Flanders me emprestou uma cópia e estou imerso no mundo dela faz algumas semanas. A obra dela é muito visceral, feminina e profunda. Em um dos poemas, tem um verso que não me sai da cabeça: “trying to learn unteachable lessons”, acho que todos estamos. Das escritoras que mudam uma vida, obrigado Helinho 🙂
Um conselho que você daria para alguém que está produzindo som em casa?
Quando comecei, pouquíssimas pessoas tinham acesso ao equipamento de produção e gravação em casa, então a dinâmica era muito diferente, e fazer música no violão na mais pura forma ainda era crucial. Eu ainda faço isso, mas a tecnologia soma muito em questão de explorações sonoras.
O meu conselho é para você concentrar as suas energias em testar os seus limites sonoros e estéticos, não existem mais padrões, tudo pode ser feito. Minha iniciação musical sempre foi muito intuitiva, por vezes eu me senti tecnicamente engessado, mas na maioria delas me levou para outros lugares que talvez eu não exploraria em outro contexto. Nada mais recompensador do que romper barreiras e essa é uma busca incansável, divertida e desafiadora da qual recomendo para qualquer artista em qualquer estágio.
Como você gosta de passar o seu tempo livre em casa?
Ouço muita rádio, costumo ligar do momento que acordo e deixo rolando durante todo o dia. Ouço diariamente a BBC 6, alguns shows da NTS e recentemente estou fissurado em uma plataforma de pesquisa musical chamada Radiooooo, onde você descobre música com curadoria apurada baseada em décadas e países, é fantástico, funciona quase como um jogo geográfico, recomendo muito.
Uma recomendação de um disco com uma capa bonita
“Ian Dury – New Boots and Panties!!”. Ian é uma daquelas figuras cults, nunca se encaixou muito em nenhuma cena e fez discos absurdamente influentes. A história da capa é maravilhosa, durante a sessão de fotos, seu filho Baxter Dury (sim, o cantor!), estava passando alguns dias com o pai, precisou ir junto na session e acabou invadindo 4 das 24 fotos. Quando revelaram o filme, foi a primeira foto escolhida por todos os envolvidos. Pai e filho, casualmente posando em frente a uma loja de lingerie.
Um disco que te ajuda a enfrentar o isolamento
“Álbuns utópicos: Eden Ahbez – Eden’s Island”. Ouvi de tudo durante o isolamento, mas este foi o que mais me ajudou na pesquisa de discos imersivos. Parafraseando um release do próprio disco: “An epic concept album about an utopian society living in peace and harmony on an island far away from the modern western world as we know it.”
Ele funciona como uma espécie de pré Pet Sounds, um pouco mais latino e com mais spoken word. Acredito que o Brian Wilson ouviu esse disco antes de fazer o maior álbum da história. Se precisasse descrever em referências, diria que é um álbum dos Beach Boys, recitado pelo Jim Morrison, mas gravado e arranjado pelo Ry Cooder. Esse disco é de 1959. “To live in an old shack by the sea” 🙂
Qual foi o disco, artista ou banda que verdadeiramente afetou você?
Essa é difícil, sou constantemente afetado por novas linguagens e artistas, tudo que te instiga a mares não navegados me fascina. O primeiro artista que senti que rompeu essas barreiras estéticas e líricas em mim foi o Scott Walker (1949-2019). Na sua última fase, antes de morrer, sua obra foi revisitada e ele lançou discos dos mais peculiares possíveis, muita gente pode conhecer ele, assim como eu. Foi um artista que progrediu de uma carreira como crooner pop na Inglaterra, para a música experimental de uma forma muito única e corajosa. Ele sempre buscou se reinventar de forma irresponsável, creio que cada vez mais sua obra será respeitada e uma vez dentro dela existem milhares de nuances a descobrir. Recentemente assisti um documentário sobre a Peggy Guggenheim (1898-1979), que conta toda a sua trajetória como curadora e mecenas, fiquei muito impressionado com a abordagem dela de valorizar artistas que estavam a frente do seu tempo. Esses são os artistas e espíritos livres que me provocam viradas irreversíveis.