Um relato sobre uma noite chuvosa, a presença feminina no rap e porque estamos apenas no início de um movimento poderoso.
Texto Michelle Kaloussieh
Foto Ingrid Alves
Matéria publicada pela primeira vez na terceira edição da Revista Balaclava, em novembro de 2018.
Na noite de 30 de julho de 2018 caiu uma chuva que miaria qualquer rolê. Não foi o caso. Por volta das sete da noite começou a movimentação ao lado do metrô São Bento, no centro de São Paulo. Mulheres foram chegando, se comprimentando. O clima estava bom demais e muitas ali pareciam se conhecer há algum tempo.
A Batalha da Dominação, que rolava toda segunda-feira ali do lado de fora do metrô, estava para começar. Aquele é um espaço criado por mulheres para mulheres com uma paixão em comum: o rap, que é sabidamente um gênero dominados por homens. O encontro existe com o intuito de criar um ambiente pras minas que gostam de rimar e compor. Além das batalhas, também rolam pocket shows de várias artistas da cena.
Naquele dia, a Gabz se apresentaria. Ela é carioca, nascida e criada na favela do Irajá, tem 19 anos e lançou seu primeiro som – que já é um sucesso – em abril de 2018. “Do Batuque Ao Bass” hoje tem mais de 900 mil views.
Gabz foi a vencedora de um concurso de poesia falada em 2017 e sua participação viralizou. A partir daí, segundo ela, tudo fluiu: “A criação de Batuque o Bass foi um processo muito orgânico. Eu já tinha o refrão e o meu intuito sempre foi fazer uma parada que já estava na minha cabeça há muito tempo, que é essa questão das pessoas negras contarem sua história através da música. Do batuque ao bass, no caso.”
Sobre o futuro, a carioca foi categórica: “Já estou vivendo meu sonho, que sempre foi botar em prática o que eu penso e viver do que eu gosto, de acordo com minhas convicções. Não sei onde exatamente quero chegar, mas quero fazer da caminhada uma parada daora.”
Trombei muita mina chave naquela segunda feira e fiquei felizona de ver que além de muitas afim de rimar, aquele rolê tinha público e a grande maioria mulheres e LGBTQIA+. É gostoso demais ver pessoas que normalmente ficam na sombra tomando para si um espaço que sempre foi masculino -–e machista.
As xarás Ana Beatriz – Fissu e Bea – têm o duo DeAaZ e também colaram para São Bento naquela segunda. A Fissu é de Caçapava, no Vale do Paraíba e a Bea Bpm nasceu na capital, e as duas se conheceram na faculdade: “O jornalismo me ajuda muito no sentido de me ajudar a me comunicar e usar a música como instrumento para isso também”, me conta Fissu.
O nome da dupla, que sofreu algumas variações até ser definido, traz a ideia de versatilidade: “a gente literalmente começa no A e termina no Z, né? Mas também quisemos passar uma noção de diversidade, mesmo. Porque a gente quer abordar temas de a a z nas nossas músicas.”
Elas lançaram, em oito meses, seis singles com clipes e já estão com um disco inédito pronto para ser lançado.
Outra mina zica que trombei na batalha é a Lourena, carioca de 18 anos que é uma das apostas de uma nova tendência no rap nacional, que são os acústicos – ou orgânicos. O primeiro vídeo que Lourena jogou no mundo “Quando Você Voltar” já tem mais de 23 milhões de visualizações. O sucesso foi tanto que a Casa1, uma das produtoras de maior relevância no cena do rap nacional, entrou em contato para assinar o contrato.
Gabz, Lourena e as meninas do DeAaz são a ponta de um iceberg. As mulheres estão chegando junto no rap nacional mas não só isso. Estamos aos poucos ocupando lugares que nos foram negados. Seja na música, na arte ou na cultura como um todo. Para Lourena, “as mulheres têm que se esforçar muito mais para chegar onde os caras já estão.”