Paciência &
intenção

Tássia Reis revê os caminhos que trilhou
e se propõe a desembaraçar sua intrincada
natureza interna em Próspera, seu último disco

Texto Thais Regina Foto Camila Tuon Assistência Charlie Noir  
Beleza 
Amanda Pris Styling Gabriela Monteiro Produção de Moda Camila Vaz  
Direção de Arte 
Thais Jacoponi

(Essa matéria foi publicada originalmente na quinta edição impressa da Revista Balaclava, lançada em novembro de 2019).

O tempo é implacável. Quando paramos para pensar o quanto já perdemos para ele, então, chega a ser violento. Hábitos, amigos, opiniões… Quantas versões de si você já teve? Quem era você em 2010? Quão perto você estava, naquela época, de ser quem você é agora? E o mais importante: quais foram os seus divisores de água? Bom, de alguma forma, chegamos aqui.

Em uma coexistência entre personagens interiores e sentimentos, Tássia Reis carrega consigo muitas outras Tássias. Com rara paciência, a artista é capaz de escutar suas diferentes personas, entendê-las e, assim, transformá-las em música. É com a confiança de quem vive essa maturidade. inclusive, que ela respondeu às minhas perguntas. “Os processos criativos são diferentes entre si e eu respeito isso. Começo, às vezes, a fazer uma música em 2010 e vou terminar no ano que vem, sabe? Eu entendo que ela tem seu tempo, não sei se isso é ser difícil”, descreveu quando eu tentei descobrir qual foi a faixa de seu novo disco Próspera (2019) que mais demandou esforços para ser criada. Para ela, a criatividade não é receita de bolo. Ou seja, uma nova música pode surgir de qualquer lugar: um texto, uma melodia, ou até mesmo tudo junto. Assim, seus temas não chegam até nós com marcas temporais. O que interessa a Tássia é uma lírica analítica, recheada de suas opiniões e sentimentos.

Em 2018, a rapper começou a frequentar aulas de piano e descobriu uma inesperada afinidade com as teclas. “Não estou te ensinando música”, disse sua professora, certa vez. “Estou te ensinando a organizar a música dentro de você.” Apesar de ter parado por um tempo, ela pretende retomar os estudos e, seguindo em frente, anima-se com a possibilidade de novos processos criativos a serem descobertos.

O CONSELHO

“Lembra que eu falei agora do show da [Erykah] Badu? Foi meio louco, assim, porque eu não tinha nem ingresso para ir. Não tinha dinheiro… Até fiz um corre para conseguir, mas não rolou comprar porque esgotou muito rápido. Mas, dei conta de encontrar uma menina que tinha um ingresso a mais – ela chegou meia hora antes do show começar, lá no SESC Santo André, em 2013. Eu tinha acabado de lançar ‘Meu RapJazz’, a música e o clipe. Foi no final daquele ano e a mina chegou meia hora antes. Não vi nenhum dos shows que aconteceram antes, só o da Badu. Ah, aliás, eu ia comprar o ingresso dessa menina, mas, no fim das contas, ela me deu: ‘ah, não precisa, entra aí!’, Pensei: ‘legal’.”

“Depois do show, a gente não foi embora. A gente ficou lá, sem acreditar no que tínhamos visto. Aí, desceu um cara que, acho, era da banda, e começou a fazer amizade com a minha amiga que fala inglês. Ela me virou e disse: ‘vem!’ Eu perguntei: ‘para onde?’ e ela respondeu: ‘não pergunta, só vem!’. Eis que entramos no backstage.”

“Até então, tudo certo: pencas de comida, camarim bonito… Entrou um cara na sala e disse assim: ‘Então, a Badu vai receber vocês. Vocês vão para a sala do lado ali, onde já tem algumas pessoas esperando”. Seguimos o direcionamento e, realmente, tinham umas 30 pessoas lá e uma cadeira. Todo mundo sentado esperando a mulher chegar. E nesse momento eu entendi que não se tratava de uma corrida por uma foto, mas pela chance de ter algum contato, qualquer contato, com ela. Isso era o mais legal.”

“Eu não estava acreditando no que estava acontecendo, fiquei bem na minha. Perguntaram se ela conhecia música brasileira. Ela disse que não muito, mas pediu sugestões. Aí, a galera começou a falar: ‘Seu Jorge’, ‘Jorge Ben’, etc. Uma pessoa específica, a DJ Donna, de Brasília, maravilhosa – Alô, DJ Donna, valeu, hein… – estava sentada na frente da Badu [muito, muito fã] e falou: ‘Você tem que ouvir a Tássia Reis’, e apontou para mim. “Oh my God, you look so familiar”, ela [Badu] me disse. Nessa época, eu nem falava tanto inglês, mas entendi que ela estava dizendo que eu soava familiar, que já tinha visto meu rosto. E aí eu caí para trás.”

“Não conseguia falar nada. Só falei que amava ela e ela me disse que me amava também. Quase morri. Depois disso, fiquei empoderada e decidi fazer uma pergunta: ‘Bom, como a Donna falou, eu sou uma artista que está começando agora. Acabei de lançar meu primeiro single e queria saber o que você tem a dizer para artistas jovens, no começo da carreira.’ Ela ficou pensando – não tatuei isso ainda, mas vou tatuar – e me disse: ‘só duas coisas: seja honesta e siga seu coração’”

EM EBOLIÇÃO

Corta para 2018. No apartamento da cantora na capital paulistana – durante as gravações de Próspera – Erykah Badu, Alicia Keys e Jacob Banks, que por um tempo foram seus companheiros invictos de caixa de som, respeitosamente, se resignaram ao silêncio naquele momento. Foco total. Para não se confundir com suas próprias referências – que são muitas neste álbum – ou se distrair com outras sonoridades, Tássia abraçou o silêncio. Algo como fazem as nadadoras olímpicas quando vêm à superfície pouco antes de mergulharem novamente.

Ela, no entanto, não fica parada. Movimenta-se nesse mundaréu de si mesma e busca lições nas diferentes frentes em que sua criatividade trabalha.Nesse caminho, cruzam-se influências: Destiny’s Child para “Pode me perdoar”; briefings que juntam Djavan e Ravyn Lenae; inspirações de Nova Orleans; todas as Beyoncés e por aí vai. Silêncio: (mais) um disco de Tássia está surgindo…

Para os próximos passos, paciência e dedicação. Esqueça a imagem do criador com uma lâmpada sobre sua cabeça iluminando uma nova ideia que acaba de chegar. Esse luxo não existe. Para que chegue a ideia, é necessário tempo. Ele corre e, assim, acontecimentos viram memórias que, àprincípio, são só documentos do cérebro. A riqueza (e a potência) vem exatamente na revisão desses documentos. Na possibilidade de transformá-los em arte. Em 2018, Tássia já tinha intimidade com os conteúdos que, eventualmente, viriam a público no formato de seu disco. Faixas que ganharam vida em 2019 estavam escritas desde 2010, como “Na Boa”, ou desde 2015, como “Amora”, “Myriam” e “Preta D+”. O resultado é um álbum cuja maturidade está no reconhecimento da existência inexorável de uma busca que parece nunca ter fim.

CORAÇÃO DE LEÃO

“Eu sou de Jacareí e, quando vim para cá,nem pensei muito. Mas, depois de muito tempo, consegui identificar o quanto eu fui corajosa. Eu vim com uma mão na frente e a outra atrás. Com R$ 20 no bolso, R$ 50 talvez…
Não tinha onde ficar, não conhecia ninguém e, aos poucos, fui batalhando para encontrar meu espaço. Com muito suor, muito choro e muita música. Por isso que 2010 foi o ano da escrita para mim. É isso, né?Tem que arriscar. Se desse tudo errado, tudo bem. Como deu errado e voltei para a casa dos meus pais, para me organizar. Mas, naquele momento em que eu estive lá, 2012, já sabia o que queria fazer:
eu vou fazer música porque eu acho que música é um caminho e eu estou sentindo que esse caminho pode me gerar frutos. (…) Então, essa faixa ‘Me Diga’ tem muito a ver comigo, sabe? Das vezes que eu precisei arriscar. Porque viver é isso, a gente mudade ideia, de vontade, de desejo… A gente precisa estar pronto para entender, arriscar de novo e pegar a estrada.”

Próspera, assim, torna-se a história de uma jornada a ser ouvida. Sobre a Tássia do futuro, as expectativas geram ansiedade, mas não paralisam: a jornada sempre continua. Esse sentimento, talvez, venha mais
da ambição do que do nervosismo que a artista sente toda vez antes de subir aos palcos. Seu “ansiejazz”… Curioso que, com todo esse fervilhar interno, ela consegue se tornar uma artista com um raro perfil duplo:
ao mesmo tempo em que canta de amor e nos aproxime dela nessas encontros
do coração, também fala de confiança, de luta, e acende nossa chama interna para fazer a diferença no mundo. É carne, é osso, sangue e desejos transeuntes. Não à toa, prospera. ☺

Você consegue escutar o papo da Thaís e da Tássia na íntegra no Balacast,
o podcast da Balaclava Records, disponível em todas as plataformas de streaming.

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