2021: Uma odisseia nos livros musicais

Mesmo enfrentando desafios, o mercado dos livros de música se destacou ao longo do ano e inovou em diferentes formatos. Selecionamos 13 dicas de lançamentos imperdíveis:

Texto Lucas Vieira
Foto Leila Lisboa

Tudo indicava que 2021 não seria um grande ano para o mercado editorial brasileiro. Sob declarações de que os livros são artigos consumidos pelos ricos, o governo federal enviou, ainda em 2020, uma proposta de reforma tributária ao congresso nacional em que os livros, imunes a impostos segundo à Constituição Federal, seriam impactados por tributação prevista de 12%.

Apesar da votação para a reforma ter sido adiada para 2022, a situação segue uma preocupação para todos que participam ativamente do mercado editorial no país. Mesmo assim, escritores, editoras, livreiros e leitores fizeram de 2021 um grande ano para os livros de música, apesar das dificuldades e falta de incentivo impostas pelo governo. Confira abaixo alguns dos destaques do segmento neste ano.

A história da MPB e de seus artistas

Livros biográficos e sobre a história da MPB se destacaram em 2021 pelo ineditismo de suas abordagens. No ano em que João Gilberto (1931-2019), um dos pilares da música brasileira moderna, completaria 90 anos, chegou às livrarias “Amoroso: Uma Biografia de João Gilberto” (Companhia das Letras), o último livro de Zuza Homem de Mello (1933-2020), um dos mais respeitados estudiosos da música brasileira. O pesquisador colocou a produção musical do bossa-novista como fio condutor da narrativa, em um texto envolvente onde analisa discos e fala da intimidade e da personalidade mitológica do compositor. O jornalista foi de encontro às formas como o músico desenvolveu seu toque do violão e jeito de cantar tão característicos, trazendo em sua obra informações essenciais para entender esse artista que mudou para sempre a forma de fazer música no Brasil.

Artista que completaria 75 anos em 2021, o cearense Belchior (1946 – 2017) meteu o pé na estrada “like a rolling stone” a partir de 2007 e abandonou família, bens, e dívidas, se tornando um dos maiores mistérios do MPB. Através de “Viver É Melhor Que Sonhar – Os Últimos Caminhos de Belchior” (Sonora Editora) os jornalistas e pesquisadores musicais Chris Fuscaldo e Marcelo Bortoloti se propuseram a entender o “sumiço” do cantor. Os autores fizeram um trabalho imersivo em que visitaram os lugares por onde o personagem andou e entrevistaram amigos, familiares e pessoas que cruzaram com o músico em seu caminho. O livro impressiona tanto pela proposta quanto pelo resultado, e o texto entrega com excelência um grande exemplo de livro-reportagem e de road book musical.

Em “Ney Matogrosso – A Biografia” (Companhia das Letras) o cantor que completou 80 anos em 1º de agosto teve sua vida documentada pelo jornalista Julio Maria, que apresentou uma obra extensa sobre o artista transgressor que conquistou o Brasil com seu talento e suas performances únicas. O autor acertou ao apresentar ao público vários detalhes sobre a não tão conhecida intimidade de Ney Matogrosso, como seus conflitos familiares na juventude, a escolha por uma vida simples e suas relações amorosas. O livro também trouxe detalhes ricos sobre os shows e a extensa discografia do músico, iniciada em 1973 ao lado do grupo Secos & Molhados.

Em outubro de 1996, há 25 anos, o líder da Legião Urbana faleceu, vítima da AIDS, e deixou um buraco no rock brasileiro e no coração dos fãs. Desde os tempos áureos da banda, um debate esteve presente entre críticos, admiradores e pesquisadores: “Renato Russo era poeta?” Julliany Mucury, através da leitura crítica de 29 letras do compositor, buscou responder essa pergunta em “Renato, O Russo” (Garota FM Books), livro que também coloca em discussão as personalidades do jovem Renato Manfredini Jr. e sua faceta artística de nome Renato Russo. Ainda que o músico tenha sido tema de diversas outras publicações, a escrita da autora brasiliense é uma soma importante à bibliografia deste, apresentando olhar inédito e pesquisa cuidadosa sobre o cantor e suas composições.

Com objetivo de contar a história da música brasileira desde 1500, o jornalista e pesquisador musical Rodrigo Faour lançou o primeiro volume da “História da Música Popular Brasileira Sem Preconceitos” (Record), que compreende a produção musical do Brasil até a década de 1970. O livro fala sobre o nascimento de gêneros musicais, apresenta fotos inéditas e tem entre seus méritos ser uma introdução aprofundada para aqueles que desejam conhecer e estudar a MPB. Um diferencial da obra é trazer uma pesquisa não excludente, dando o merecido reconhecimento para cantores e manifestações comumente ignorados por livros que se propõem a investigar os caminhos da música nacional e acabam priorizando o lado mais elitizado desta.

A música brasileira em imagens

O ano de 2021 também trouxe às livrarias obras importantes no segmento dos livros fotográficos sobre música. Thereza Eugênia, fotógrafa baiana que acompanhou algumas das maiores figuras da MPB a partir da década de 1970, lançou “Thereza Eugênia – Portraits 1970-1980” (Barléu), reunindo várias de suas fotografias icônicas de artistas como Gilberto Gil, Chico Buarque, Maria Bethânia, Rita Lee, Rosinha de Valença, entre outros. O volume inclui 192 páginas em papel couchê em um livro com capa dura e organização de Augusto Lins Soares.

Também em relação aos livros fotográficos, em 2021 retornou às livrarias “A Hora e A Vez dos Mutantes” (Belas Letras), de autoria da fotógrafa Leila Lisboa que, entre 1969 e 1974, acompanhou a banda paulista registrando momentos históricos com sua câmera. A nova edição inclui material inédito, ampliando a limitada tiragem de 2015, com diagramação reformulada e textos e memórias até então não publicadas. Para os fãs dos Mutantes e do rock brasileiro, é uma obra indispensável e uma nova oportunidade de adquirir o título até então esgotado.

Ainda no campo das imagens, Fabiana Caso e Talita Hoffman lançaram, em edição bilíngue, “O Som de São Paulo (1967 – 1985)” (Terreno Estranho), um mapa musical ilustrado da música paulistana. Indo desde a Tropicália – que, apesar de ter sido capitaneada pelo grupo baiano, teve “Sampa” como seu berço – até o rock dos anos 1980 e a Vanguarda Paulista, a obra apresenta as cenas, os palcos, os artistas e suas produções com texto dinâmico, e ainda inclui um mapa da cidade, orientando o leitor a compreender como a música se espalhou por sua geografia. É, nas palavras das autoras, “uma cartografia sonora”, que apresenta depoimentos dos protagonistas dessas histórias e um projeto gráfico primoroso.

Mulheres em destaque

A importância das mulheres na música brasileira também recebeu obras que se aprofundaram no tema neste ano. Jornalista e escritor com vasto trabalho relacionado ao samba, Leonardo Bruno publicou “Canto das Rainhas” (Agir), em que mostra a importância fundamental das sambistas na história deste gênero musical. No livro, o escritor centraliza a pesquisa nas figuras de Elza Soares, Beth Carvalho, Dona Ivone Lara, Alcione e Clara Nunes. É uma obra sobre a pluralidade da presença da mulher nesta forma de fazer música e vai além das cantoras referidas: Leonardo faz questão de retratar a importância de Tia Ciata, Jovelina Pérola Negra, Teresa Cristina, entre tantas outras artistas fundamentais para a MPB que enfrentaram o machismo e o preconceito da sociedade e, até hoje, continuam a brilhar com sua arte e história.

As cantoras contemporâneas também foram contempladas, sendo o tema de “Ondas Sísmicas – 90 Discos de Cantoras Brasileiras do Século XXI” (Barbante), escrito pelo publicitário e pesquisador musical Gabriel Bernini. Na obra, ilustrada por Lola Nankin, o autor apresenta álbuns lançados entre os anos de 2003 e 2020 por artistas nacionais, incluindo desde veteranas como Dona Teté e Lia de Itamaracá até jovens como Liniker e Bia Ferreira, que representam a diversidade e a inclusão que são marcas características da música brasileira feminina de hoje. O livro é um entusiasmado guia para descobrir a abrangente produção musical realizada por mulheres nos últimos 20 anos. 

Os 80 anos de Roberto Carlos

Um dos cantores de maior reconhecimento popular das últimas cinco décadas, Roberto Carlos chegou aos 80 anos em 19 de abril. Mesmo com a polêmica proibição do livro “Roberto Carlos Em Detalhes” (Editora Planeta) em 2007, o artista foi homenageado com três livros em 2021, uma vez que, desde 2015, a publicação de biografias sem autorização prévia foi liberada pelo STF.

Um dos autores é Paulo César Araújo, o mesmo que teve seu livro retirado de circulação há 14 anos após acordo do artista com a editora. O jornalista lançou “Roberto Carlos Outra Vez – Volume 1 – 1941 – 1970” (Record), em que conta a história da vida do cantor capixaba em outra abordagem. O escritor parte de 50 canções gravadas na discografia do músico para contar fatos e detalhes sobre sua história, ao longo das 928 páginas que incluem também fotos do biografado.

Jornalista que acompanhou profissionalmente a carreira do cantor a partir de 1986, Jotabê Medeiros lançou “Roberto Carlos – Por Isso Essa Voz Tamanha” (Todavia), biografia que conta desde a infância do artista até sua vivência na pandemia. Com depoimentos de artistas como Roberto Menescal, Eduardo Araújo e o tecladista Lafayette (1943-2021), o autor escreveu um livro que procura explicar o fenômeno da popularidade do biografado, além de analisar seus discos.

Com foco na relação do artista com a imprensa, “Querem Acabar Comigo” (Máquina de Livros), do pesquisador Tito Guedes, traz a trajetória do cantor na visão da crítica musical, como seu subtítulo sugere. Com análises feitas a partir de publicações do período entre 1965 e 2017, o autor mostra como a obra de Roberto Carlos foi adquirindo significados e avaliações diferentes com o passar dos anos, e, consequentemente, o artista e sua obra foram conquistando notoriedade e respeito.

Mesmo que o governo tente tributar os livros e dificultar sua chegada até os brasileiros, pesquisadores musicais, consumidores, livreiros e editoras mostram que as livrarias são também espaços de resistência. Prova desta sentença são os quase 1,5 milhões de assinaturas em abaixo-assinado virtual contra a reforma tributária e, sem dúvidas, a chegada de tantas obras importantes às prateleiras em 2021, mostrando que a música brasileira é feita para ouvir e ler.

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