Pat C. experimentou as vaidades da carreira internacional mas abriu mão de tudo para viver uma vida anônima

Cantora e compositora por acaso, a artista mineira fez sucesso no Japão e na Europa entre o final da década de 1990 e os anos 2010. Na década seguinte, ela abdicou do luxo para viver no Brasil. Leia uma entrevista com a artista a seguir:

Texto Gabriel Bernini
Foto Gabriel Bernini

“O Japão queria que eu fosse uma cantora romântica, de bossa-nova. Mas aquela não era eu, eu era essa”, conta a hoje autora e podcaster Pat C. enquanto se refere a seu último lançamento como musicista, o eletronicamente afiado e esquisitamente irônico “Pode C“, de 2008 – lançado apenas no Brasil e que se difere do restante de sua erudita discografia asiática. 

Pat C., nascida Patrícia Cerqueira em Belo Horizonte no ano de 1969, iniciou sua carreira na música sem grandes pretensões. “Jamais pensei em ser cantora, foi a vida que me fez”, conta, emocionada, devido ao resgate recente de sua trajetória através do trabalho de pesquisadores de música. 

Berlim, no fim dos anos 90, vivia o auge da música eletrônica e do europop. Pat, morando na Alemanha, se inseriu com facilidade na cena dos produtores locais. Durante um jantar em Amsterdã na casa de amigos, ela, com um empurrão da caipirinha brasileira que havia preparado para os colegas holandeses, cantou “La Vie En Rose“, clássico de Edith Piaf lançado nos anos 40. Na mesa estava Richard Cameron, produtor de hits do underground europeu daquela época. 

“Fui para a Alemanha atrás do amor da minha vida, que conheci aos 18 anos em Belo Horizonte. Briguei com a família católica, que era contra minha ida. Mantive três trabalhos simultâneos para conseguir o dinheiro da passagem e ainda estudava à noite. Segui meu coração e deu no que deu.”

O convite para gravar com o duo formado por Cameron e seu parceiro Gerry Arling veio no dia seguinte. O house-pop “I Love Europe“, lançado em 1997, não poderia ter chegado ao mundo em momento ou lugar mais propícios; foi ali, na Europa, naquela mesma época, que clássicos do europop, como os álbuns “Anniemal” da norueguesa Annie e “Felt Mountain” dos britânicos Goldfrapp, nasceram para deixar sua marca na história da música para sempre. 

I Love Europe“, com expressivos 5 minutos e meio de duração e composição quadrilingue (francês, alemão, holandês e português), tornou-se um hit no Japão – país que viria a imortalizar Pat C. como uma das grandes cantoras brasileiras atuantes naquele país. A faixa alcançou o número 1 na parada de música de Tóquio no fim dos anos 90.

Pat relembra, aos risos, que recebeu o equivalente a 100 euros como pagamento pelos vocais. “Eu achei que minha vida como cantora tinha acabado ali, estava muito feliz com a minha única música”, conta ela que, através do sucesso de “I Love Europe“, começou a ser procurada por outros produtores europeus. Sua segunda música, uma bossa inspirada pela sonoridade asiática intitulada “Pura Saudade“, repetiu o sucesso da primeira e foi selecionada como trilha-sonora de um comercial da Nissan. 

Casada e grávida de seu primeiro filho, e já convencida de seu talento imbatível e implacável, lançou seu primeiro disco “Sell Out“, uma coletânea de faixas gravadas entre 1997 e 1999, em Belo Horizonte. Devido à estética kawaii presente na ilustração da capa do disco e o curioso choque entre Japão e Brasil, o CD “Sell Out” tornou-se procurado no país da tropicália e hoje é raridade, apesar de pouco conhecido.

O primeiro disco japonês da cantora foi upado na internet há apenas 1 mês. As faixas “I Love Europe” e “Pura Saudade” podem ser ouvidas acima.

Foi na virada do milênio que a vida da agora Pat C. mudaria para sempre. Uma equipe de japoneses da gravadora multinacional Rambling Records, impressionados com a repercussão de uma brasileira cantando em português na Europa, viajou até Berlim para conhecê-la. “Eu assinei um contrato que previa um disco por ano, e essa história entre eu e os japoneses durou 10 anos”.

arquivo/Pat C

O que seguiu foi uma discografia extensa e que, em 2022, continua exclusiva ao mercado asiático (e, inclusive, jamais lançada no formato digital, portanto escassa aos ouvintes brasileiros). São quatro álbuns de estúdio (“Saudade Suite“, de 2001; “Sunshine Suite“, de 2003; “One Sweet Day“, de 2005; e “Romantic“, de 2006), um EP (“Petit Suite“, de 2002) e uma coletânea (“Vitamin C“, de 2008). Em sua totalidade, o material é inspirado pela bossa-nova, escola musical brasileira grandemente admirada pelo Japão. Com o passar dos anos, entretanto, os discos tornaram-se mais e mais irreverentes, debochados e até mesmo caricatos. Era o Brasil chamando Pat C. de volta para seu lar.

“Era um ótimo contrato. Eu apenas criava o disco; eles pagavam a produção, lançavam e me levavam à turnês pelo Japão e Coréia. Fizeram muito merchandising com meu nome, artigos com assinatura Pat C, eu ganhava com tudo. Minha música foi usada muitas vezes para comerciais de TV, fora os royalties sempre pagos em dia. Na época era um contrato milionário. Eu viajava pelo Japão, ficava em hotéis de luxo, era sempre convidada para os melhores restaurantes, massagem para a voz, tudo incluso e ainda recebendo cachê em yen.”

Pat C. jamais sucumbiu às vontades dos japoneses, dentro da liberdade artística que os amarros jurídicos permitiam. No álbum “Sunshine Suite“, uma canção intitulada “Prozac“. No CD “Romantic“, de 2006, o agressivo spoken-word quase hip-hop “Partido C“: “só existe uma verdade / essa sua não é”. E o grande hit da cantora, que é lembrado pela população japonesa como um dos sucessos nacionais dos anos 2000, é “Pisca Punga“, cuja letra é construída puramente por onomatopeias. 

Pisca Punga“, em especial, furou a bolha japonesa e percorreu a Ásia. A canção também tocou exaustivamente na Coréia do Sul, na Malásia e na Tailândia; em redes sociais e no Youtube, é fácil identificar, por posts e comentários, o carinho de todo aquele continente por uma cantora brasileira que cantava em português e, mesmo assim, encontrou sucesso radiofônico. Aos leitores, fica o questionamento: quem consegue imaginar uma cantora filipina cantando em seu respectivo idioma no Brasil e, ainda, vendendo discos como água? O sucesso de Pat C., em vezes, soa inexplicável.

“Eu sempre achei que tive muita sorte. Mas os japoneses não gostavam que eu falasse isso, eles sempre diziam que o que eu tinha era talento.”

A mineira relembra, com carinho e com comicidade, dos luxos e das extravagâncias que viveu durante sua carreira. Ela conta que foi escoltada por um guarda-costas durante uma turnê em Seul, na Coréia do Sul, como aqueles que aparecem em filmes. “Caminhar com eles pelas ruas, ao meu lado, sem troca de olhares, sem palavras, foi uma das coisas mais absurdas que já me aconteceram.” A cantora também resgata a euforia em seus shows durante a performance de “Pisca Punga“, quando os japoneses cantavam em coro mais alto do que ela.

Em janeiro de 2008, aos 39 anos, casada e mãe de dois filhos, Pat C. informou à gravadora Rambling Records que iria passar um ano em Florianópolis, Santa Catarina. Ela queria apresentar os filhos aos avós e o marido às brasilidades, longe da dureza cinzenta da Alemanha, a qual estavam confinados há 17 anos. 

Os japoneses não encararam bem a decisão de Patrícia e optaram por cancelar a parceria, com o lançamento da coletânea “Vitamin C” simbolizando o fim das atividades. Para eles, o Brasil era longe demais para que ela pudesse manter sua carreira artística. Ela lembra que, além disso, naquela época, o sonho de toda mulher japonesa era morar na Europa – talvez o sucesso de “I Love Europe” por lá tenha se dado por isso. Pat chegou a conclusão de que um pouco do hype ao redor de seu trabalho vinha desse fetiche; com sua mudança para o Brasil, o sentido de sua música para os japoneses se perdeu. “Eu era muito destemida e não levei o fim da parceria a sério”, conta a artista sem nenhum tipo de remorso. 

“O zíper do vestido tá fodido para completar” é um dos versos de “Vida Real“, primeira canção de “Pode C“, último disco da cantora e lançado apenas no Brasil, em 2008, quando ela tentou se reerguer do duro golpe proferido pela gravadora asiática. Pat pensa em “Pode C” como sua libertação das amarras românticas que anteriormente eram impostas à ela; aqui, ela trocou a bossa-nova pela música eletrônica, pelo house e por um delicioso pop inconvencional que remete ao disco “Letrux em Noite de Climão“, lançado quase 10 anos mais tarde. Os destaques do álbum ficam com “Cowboy Cosmopolita“, faixa pop que nega o cavalheirismo e que inclusive será relançada numa coletânea em vinil em 2022, e “Girl Like You“, batidão infantil viral no Spotify.

A vida como artista no Brasil infelizmente não vingou. “Se na Ásia eu fiz aquele sucesso todo cantando em português, imagina no Brasil?”, imaginava ela, que tinha como objetivo se reestruturar em seu país de origem. Não foi assim; ela não foi reconhecida por sua extensa discografia japonesa, talvez pela dificuldade que o Brasil tem, até hoje, em acessar esse material (que é exclusivo a caríssimos CDs importados). Aqui, apesar das parcerias com Tatá Aeroplano, Arthur Joly e Jair Rodrigues no álbum, além de shows apresentados no circuito SESC São Paulo, Pat não conseguiu inserção nos jornais e nem no rádio – numa época em que tal reconhecimento era a única chance de encontrar respaldo artístico por aqui. 

“Fracassar depois de tanto sucesso não estava nos planos. Tentei reconquistar meu sucesso quando voltei para o Brasil e acreditei 100% que isso era possível. Passei muito tempo em São Paulo buscando oportunidades, mesmo com filhos pequenos. Foi o tempo de produzir, gravar e preparar o show de lançamento do meu último álbum. Depois de um ano sem resultado, resolvi parar.”

Olhando para a trajetória de Pat C., nota-se uma mulher resiliente, destemida e que soube lidar com a passagem do tempo como poucos puderam. Após encarar a dura realidade da música no Brasil e não conseguir sobreviver à ela, a artista se reinventou e nasceu novamente, como a jovem de 19 anos que fugiu da família para procurar o amor na Alemanha durante a década de 80.

Nos anos 2010, Pat C. deu lugar à Pat Papo – mãe, esposa e dona de casa, mas também podcaster, agitadora cultural e autora. Em 2018 lançou seu primeiro livro, “Adeus, Preocupação” e prepara material autobiográfico para breve. Ela também mantém um Instagram com frases inspiracionais, assim como um podcast, e afirma não ter planos em voltar a cantar. “O fracasso não veio para me derrubar, ele me levou ainda mais longe, onde sempre quis chegar; hoje sinto que estou exatamente onde quero estar”, finaliza emocionada. 

O tempo passou. O último registro em estúdio de Pat C. data de 2008 e, muito provavelmente, ela não irá gravar de novo. Enquanto alcançou o posto de uma verdadeira popstar no Japão, em boa parte da Ásia e em alguns países da Europa, a mineira, embora tenha tentado, nunca foi reconhecida em sua terra natal. E afinal, o que é que o Brasil tanto tem contra seus próprios artistas?

O refúgio de artistas brasileiros

2021 foi o ano em que as terras tupiniquins ouviram falar pela primeira vez, e tardiamente, da também mineira Jennifer Souza. O nicho que a descobriu, da MPB alternativa, o fez após notar a presença de seu álbum novo, “Pacífica Pedra Branca“, em quase todas as listas de “melhores do ano” e ficou pasmo com sua sensibilidade, talento e elevação espiritual. Em detrimento disso, seu primeiro disco, “Impossível Breve“, havia sido lançado há quase 10 anos a partir dali; esse primeiro álbum havia levado Souza para uma turnê pela Ásia, ganhou uma edição em CD no Japão e outra, em vinil, na França. No Brasil, a restou o anonimato, que perdurou por quase uma década até que o reconhecimento, e ainda mínimo, chegasse. O disco novo, inclusive, foi parcialmente financiado por japoneses. Bem debaixo dos nossos narizes.

Situação semelhante acontece com a clarinetista e compositora carioca Joana Queiroz. Presente na cena da música brasileira há quase 20 anos e parceira de músicos como Gilberto Gil, Arrigo Barnabé e Hermeto Pascoal, Joana lançou seu primeiro disco solo em 2013; desde então, seguiram-se outros quatro. A marca registrada da instrumentista é a mescla de vocais improvisados (ela não se define como cantora) com instrumentos de sopro, como o clarinete, o clarone e a tuba. Ela, ainda, participa do quarteto Quartabê, ao lado de Mariá Portugal, Chicão Montorfano e Maria Beraldo.

Em 2017, Joana gravou um disco exclusivo para o mercado japonês, “Gesto“, tendo sido contratada para criar o material do zero e, na sequência, se apresentou por lá em turnê devido à alta demanda por seu trabalho. “Gesto” foi lançado em LP e numa luxuosíssima edição em CD com capa de tecido bordada, pelo selo e espaço cultural Spiral Records, de Tóquio; por aqui, saiu no streaming, e apenas há pouco tempo. No Brasil, a artista alcançou algum tipo de repercussão após seu mais recente trabalho, o álbum “Tempo Sem Tempo”, aparecer na lista de fim de ano da APCA em 2020, mas o reverbero ainda é puramente jornalístico. 

A lista de artistas brasileiros escanteados por seu próprio país mas que encontraram berço na Ásia, mais especificamente no Japão, é inacabável. Agora um fenômeno, o cantor Ana Frango Elétrico demorou para ser descoberto com plenitude no Brasil; enquanto isso, no Japão, seu disco de estreia, “Little Electric Chicken Heart“, foi editado em CD e LP; a edição em vinil esgotou em 2 semanas à venda. Devido ao sucesso, a gravadora Disk Union, em parceria com o selo adjacente Think! Records, lançou um vinil 7 polegadas com dois singles pandêmicos do catálogo do artista: “Mama Planta Baby” e “Mulher Homem Bicho“. O compacto, pensado como um item exclusivo ao mercado japonês, até pode ser importado por fãs brasileiros dispostos a pagar mais de R$650 – a soma do valor do produto, do frete e das taxas alfandegárias.

Até mesmo figuras do universo pop recebem algum tipo de amparo da Terra do Sol Nascente. O cantor Silva, que possui quase 2 milhões de ouvintes mensais numa plataforma de streaming, por exemplo, teve seu mais recente disco lançado em CD por lá, numa edição limitada com encarte exclusivo e faixas bônus, assim como em LP. Em fotos postadas nas redes sociais das gravadoras japonesas, observa-se discos de artistas desprezadas por determinadas bolhas no Brasil, como Paula Fernandes, Ivete Sangalo e Claudia Leitte; lá, esses itens são tratados como souvenirs e chegam a ser vendidos por até 50 dólares americanos cada. Enquanto isso, no Brasil, pode-se pensar no ano de 2021 como o velório do CD no país – as Lojas Americanas ofereceram todo seu estoque de compact disc a R$2 cada, a fim de descontinuar toda a seção. 

No Japão, o pop e o anti-pop se unem na mesma foto por um bem comum: o Brasil

Numa terra cada vez mais americanizada, o Brasil profundo – isto é, aquele que está afastado das TVs, rádios e telas – clama por dignidade: seja através de investimento, patrocínio, reconhecimento, apoio ou público fiel. Todos os nossos artistas, que trouxeram sanidade e luz para a pandemia de COVID-19 e para tantos outros momentos difíceis da história da humanidade, deveriam poder viver, com folga financeira mínima, de seu trabalho com a música. É o mínimo e é o lógico. A impossibilidade disso se dar é, ainda, motivo de amargura para muitos. A cultura não mais pode ser aproveitada, usada, espremida como uma toalha molhada mas, no fim do dia, descartada como um instrumento supérfluo; infelizmente, o Brasil de Bolsonaro custa a entender. E os danos talvez sejam irreparáveis.

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