Getúlio Abelha amplia as perspectivas do forró em “Marmota”

Intimidade com o estilo musical permite que o artista crie sua própria linguagem em disco de estreia  

Texto Thaís Ferreira
Foto Rodarlen Rocha

Antes mesmo do lançamento do seu álbum de estreia, “Marmota”, em 2021, Getúlio Abelha já havia fisgado o público em outros dois momentos: primeiro com o videoclipe de “Laricado”, de 2017, e dois anos depois, com o registro de um cover de “Hoje à Noite”, hit da banda Calcinha Preta, no concurso de um shopping cearense.

Ambos os episódios, que tornaram Getúlio mais conhecido, sobretudo na internet, dizem muito sobre os seus caminhos enquanto artista. Da ousadia de gravar um videoclipe no mercado municipal de Fortaleza – em meio às reações espontâneas dos visitantes – ao improviso que entreteve quem estava na praça de alimentação, o cantor não se intimida e desafia a si mesmo em suas performances.

Esses elementos também aparecem nas composições do disco “Marmota”, que trazem um novo ângulo ao forró, gênero que acompanha o artista desde cedo. Versos como “Ai, meu Deus, o meu filho de calcinha / Como é que eu vou explicar pras criancinhas? / Oh, my dad, você pare de frescura / E vá ensinar pra elas o que foi a ditadura”, da faixa “Aquenda”, rebatem o preconceito em torno da prática de viés identitário para travestis e pessoas trans – o que tem uma importância ainda maior no país com a maior taxa de transfeminícidio do mundo.

Em entrevista à Revista Balaclava, Getúlio Abelha fala sobre a repercussão de “Marmota”, a sua relação com o forró e as redes sociais e também divide os seus próximos planos.

Depois de um adiamento por causa da pandemia, você lançou seu primeiro álbum, “Marmota” no ano passado. Como está sendo compartilhar esse repertório ao vivo?

Eu já compartilhava uma parte do álbum ao vivo bem antes de ele ser lançado. Não tinha a produção completa das faixas, mas achava importante exercitar a potência das músicas ao vivo e ir modificando de acordo com a resposta. Hoje, a cada show que faço, fico mais surpreso com a quantidade de pessoas cantando as letras ou pedindo suas favoritas. Um ponto muito forte é apresentar as músicas para quem não me conhece e ver as reações acontecendo ao vivo. Definitivamente ninguém sai apático do show. E isso é muito bom!

Antes de entrar no universo da música, você estudou teatro e chegou a atuar em algumas peças. Quanto dessa experiência se entrelaça à sua carreira musical?

Sem dúvidas, o teatro ajudou a aprimorar as minhas potências como performer, criar consciência do que posso fazer enquanto voz ou corpo, entender a resposta de quem me vê e jogar com isso. De todas as riquezas que o teatro me trouxe, a maior foi me entender como compositor, não apenas no sentido de escrever letras, mas principalmente me perceber capaz de unir peças e ideias e criar algo em qualquer linguagem artística. Tudo o que vivenciei no teatro foi importante para eu ser capaz de entender como dirigir a produção musical de um álbum, criar imagem, montar um show, explorar espaços, compor visuais, looks, trabalhar com criação e edição audiovisual.


Como a proximidade que você construiu com o forró desde a infância se traduz hoje no seu trabalho?

Por não ter uma formação em música, acredito que apenas a minha proximidade com a cultura do forró justifica a minha capacidade de ter criado e produzido meu primeiro álbum voltado para esse estilo. Quando decidi me aprofundar no universo da música, encontrei no forró um espaço rico, onde eu pude compor em cima de um gênero que tenho muitas referências, e ainda a possibilidade de ser provocativo discutindo coisas que dificilmente foram discutidas no universo forrozeiro desde que surgiu. Essa relação de intimidade com o forró eletrônico me permite bagunçá-lo o suficiente para criar minha própria linguagem dentro dele.

Em 2019, viralizou um vídeo em que você canta “Hoje à Noite”, do Calcinha Preta, num concurso de karaokê. E o clipe de “Laricado”, single lançado em 2017, já tem quase meio milhão de visualizações no YouTube. Como você lida com as interações online e qual é a sua relação com as redes sociais? 

Desses vídeos que você citou, até agora tudo mudou muito e mudou rápido, ainda estou tentando entender como negociar as regras do mercado virtual com o que me motiva. Definitivamente estou dentro da internet e principalmente como consumidor, mas acredito que ainda existe uma demanda de presença online para além da divulgação da arte (e não sei se tenho vocação completa para isso). Tenho tentado não adaptar meu trabalho à urgência viral porque acredito que posso ocupar um outro espaço dentro da arte e indústria musical, mas não recusaria propostas ou rejeitaria a ideia caso acontecesse algo nesse sentido. Amo a internet, estou sempre interagindo da maneira mais íntima e calorosa possível com quem acompanha meu trabalho e vejo nisso uma grande vantagem. Amo paquerar por lá também. 💕

O que te inspira ao pensar na sua estética? 



Não tenho referências visuais específicas, são muitas coisas, é toda a vida, e também é compor na hora, criar com o que tenho em mãos no momento ou confiar em colaboradores.

Você já tem algo em mente que queira tirar do papel? Quais são seus próximos passos?

Recentemente, lancei meu vinil pelo Mistura Pop, o primeiro vinil da loja como selo. Foi um projeto que almejei bastante e fico feliz, principalmente na era digital, de ter materializada a minha obra. Significa muito para mim e espero que no futuro signifique muito culturalmente para as pessoas. Estou começando a trabalhar em novas músicas e não tenho certeza de como ou quando elas virão.

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