Bebé Salvego conta como fazer música é um processo de encontro consigo mesma

Destaque da cena nacional, a artista foi indicada ao Women’s Music Event na categoria Revelação, e se apresenta na programação do festival Primavera Sound 

Texto Daniela de Jesus
Foto Felipe Salvego

Eu quero florescer, me conhecer/ Cada dia sendo um dia que eu não tenho mais”, essa é a mensagem expressa na faixa “Tenta Me Entender”, presente em Bebé, o primeiro álbum da artista piracicabana. Nesse trecho, Bebé Salvego sintetiza em duas frases o seu disco de estreia: um processo de encontro e de compreensão, da música, do mundo e, o mais importante, de si. 

Filha do violonista Otiniel Aleixo e da produtora cultural Alessandra Salvego, Bebé cresceu em um ambiente rodeado de atividades culturais e isso resultou em uma inserção rápida no mundo musical. O primeiro passo foi aos 8 anos de idade, quando a artista participou da Virada Cultural Paulista com o projeto “Minha Brincadeira Preferida é Cantar”. Mas ela confessa que foi aos 15 em que ela percebeu a possibilidade de seguir o caminho musical de forma profissional, seja como cantora, compositora, produtora ou o que mais desse vontade. 

Lançado pelo selo Bastet, com participações de Ana Frango Elétrico, Fabriccio, Vitor Milagres e Lello Bezerra, e com a produção assinada por Sérgio Machado Plim, Bebé é fruto das explorações sonoras feitas pela artista. Com influências do jazz e do R&B, a artista solta a voz entre o baixo groovado, os sintetizadores marcantes e experimentações com beats eletrônicos. Em entrevista à Revista Balaclava, Bebé dividiu detalhes sobre a produção do disco, sua relação com a produção musical e revelou qual realidade ela deseja estar daqui a um tempo.

Como foi crescer em um ambiente cercado de música?

Foi bem natural, a ficha de como me influenciou caiu depois. Eu tratava aquilo como uma brincadeira. Era hipnotizante ver aqueles equalizadores, compressores e as cantoras gravando. Depois que eu cresci e passei por várias paradas percebi essa influência e que era isso que eu queria para minha vida. Acho que tem esse marco, de você gostar do som, e como tem vários tabus em ser artista, principalmente no Brasil, por não tratarem como uma profissão. Mas você vira a chavinha e fala: ‘Não, essa é a minha profissão! Não é só diversão’. 

Quando essa chave virou pela primeira vez pra você?

Foi com uns 15 anos, quando muitas bostas aconteceram na minha vida. Sabe quando tudo desmorona? Fiquei um tempo sem cantar, e hoje eu vejo que foi um período depressivo. Voltei quando comecei a compor o disco, e a entender que essa é a minha profissão. Vivi uma crise existencial, rolou a separação dos meus pais e fiquei perdida.

E a música foi importante pra você durante esse período? 

Com certeza! Eu fiquei bastante calada. Foi um período que eu comecei a compor, mas não estava cantando como antes. Nisso comecei a mexer no Ableton e fazer uns beats, enquanto isso fazendo disco junto com o Serginho. Mas, ao mesmo tempo, eu não abria a boca. Mas a música salvou porque comecei a ouvir coisas novas, conhecer artistas novos e a experimentar mais. Até então eu me via só como cantora, mas depois desse processo me vi como produtora musical. E é louco, eu vivi num estúdio e como esse meio é cheio de macho eu não me via. Tem coisas que a gente é e não nos vemos porque é ‘coisa de homem’, sabe?  

Quais são suas referências?

Aqui no Brasil, Ana Frango Elétrico, Jadsa, Lumanzin e Josyara. Eu comecei a observar essa cena mais autoral e me afirmei com isso, porque também é o que eu sou. E também o Serginho, que produziu disco comigo, ele quebrou muito minha cabeça porque me desafiava. De gravar um sintetizador, pensar em outra estrutura de som até começar as composições totalmente ao contrário. 

Você fala de amadurecimento e autoconhecimento, e traz a dualidade das dúvidas e certezas que surgem no caminho. Como tem sido essa fase para você?

É um mistério gigantesco. Muitas coisas que eu escrevi junto com o meu irmão [Felipe Salvego] e com o Bruno [Rocha] no primeiro instante já fizeram muito sentido e cada vez fazem mais. Vou entendendo cada vez mais o disco, às vezes até como uma lição de moral para mim mesma. Eu tenho esses dois lados, acho que todo mundo tem esses dois lados, de um dia se sentir bem, estar tudo certo e com foco. Enquanto no dia seguinte, dá uma bugada na cabeça, uma explosão do tipo ‘Nossa, que merda!’. Porque a gente vive no Brasil e coisas bostas acontecem. Eu tenho muito essa dualidade, tanto que eu digo que o disco é um roteiro de mim mesma. De começar bem, positiva e aí no fim começar a questionar coisas e ter várias confusões mentais e, depois, essa conclusão de que é isso, positivo e negativo todo momento. Eu acho que também tem muito a ver por eu ser uma mulher negra. Dentro do disco eu não falo muito sobre alguém, ou me refiro a alguém, eu sempre estou falando sobre mim mesma, porque eu me vejo muito sozinha durante todos esses processos. Por exemplo, estou com 18 anos e ainda não elegi alguém pra desabafar. Sabe quando você tem um amigo? Eu não me vejo assim, eu desabafo comigo mesma. Tem essas paradas que acho que tem muito a ver com a solidão da mulher preta, que eu acho que conversa mais ainda com a galera.

Você pretende produzir seu próximo álbum ou de outros artistas?

No próximo álbum, pretendo estar mais presente na produção, talvez assinando a co-produção. Mas o Serginho na frente, eu quero aprender muito com ele. Eu tenho meu projeto chamado Salvegod, em que eu discoteco e crio alguns beats. Eu pretendo chamar uma galera da minha cidade para gravar, mas bem experimental, nada com gênero mas um multigênero. 

Em “Salto de Realidade” você questiona sobre o presente e novas possibilidades. Nisso, qual realidade você está agora e qual a realidade você deseja? 

A realidade do que eu estou agora: quebrando a cabeça compondo um single, que vai sair pela Balaclava. Estou estudando o meu set para discotecar. A realidade que eu espero é tocar por aí e que essa cena cresça muito. Enxergo uma perspectiva muito boa nos próximos anos para a cena autoral. Acho que vamos ocupar cada vez mais espaços, e que todo mundo consiga fazer isso com saúde. Eu acho que vai ter um novo agora, que não temos que nos preocupar em voltar como era antes. Temos que mudar várias paradas, se acostumar com o novo. Então são várias adaptações, tamo no corre e tamo torcendo para que esse corre vire.

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