Alex G e Fernando Motta conversam sobre curiosidades musicais

O encontro da dupla aconteceu em janeiro de 2020, antes do segundo show
do músico americano no Sesc Pompeia, em São Paulo.

Texto Fernando Motta
Foto Renata Remédios 

Foram três dias intensos vividos por Alexander Giannascoli, o (ex-Sandy) Alex G, em sua primeira passagem pelo Brasil. O músico, que virou ícone do indie atual, tem oito discos de estúdio lançados e vários outros registros recheiam sua página no Bandcamp – uma das mais legais de toda a plataforma. O músico fez três shows acompanhado de sua banda entre os dias 15 e 17 de janeiro de 2020, o primeiro em Porto Alegre e os outros dois no Sesc Pompeia, em São Paulo.

Encontrei com ele pela primeira vez logo após a primeira apresentação na capital paulista, num after party promovido pela Balaclava Records no Breve Pompeia.

A gente estava assistindo ao show do Desgraça lado a lado, quando resolvi me apresentar: “Prazer, eu sou o Fernando, vou te entrevistar amanhã para a revista do selo”. Ele de prontidão tirou o celular do bolso, abriu o bloco de notas, me entregou e falou: “Por favor, escreve aí o nome dessa banda”.

Após o show, como de costume, ficamos na resenha na porta do Breve. Vez ou outra, Alex tirava o celular do bolso e me pedia pra anotar o nome de alguma banda que citamos. Só fomos embora lá pelas tantas da madrugada, depois de estender o rolê pra um bar vizinho. A segunda vez em São Paulo também só terminou depois de outra after party no Breve, com show do Raça, seguido por Alex e os outros três companheiros comandando um DJ set.

Entre uma festa e outra, o papo formal (que você lê abaixo) aconteceu antes da passagem de som do segundo show no Sesc Pompeia.

Fernando Motta Vou ser obrigado a te perguntar do que achou do Brasil até agora. rs.

Alex G Wow, nós estamos muito felizes de estar aqui. Vocês são muito amigáveis, o país é bonito e a comida é muito boa.

FM Normalmente nessas turnês você gosta de conhecer a culinária local ou fica no fast food?

AG Nós experimentamos, acho que é inevitável, mas a gente dá sorte. Tudo que comemos nessa turnê foi muito gostoso. Aliás, eu amo esses mini sanduíches (ri apontando para o buffet montado no camarim da banda)

FM Depois de ter ido ao Breve ontem e de ter assistido ao show do Desgraça, você pareceu bem curioso sobre a música brasileira.

AG Conhecer vocês e ouvir suas histórias me fez pensar. É como um grande universo que a gente simplesmente não faz ideia de como é, porque nós moramos tão longe e não falamos português. É difícil pra gente ter acesso, mas eu amo descobrir essas coisas.

FM E você já ouviu aquelas bandas que você pediu pra eu anotar no bloco de notas do seu celular?

AG Vou ouvir quando chegar em casa. No hotel a gente não faz nada, só dorme e assiste TV. Rs.

FM Você costuma ouvir música como? Spotify?

AG Sempre no Youtube. Eu não tenho Spotify.

“Eu acho que quando você envelhece, você não fica procurando mais pela sua identidade em outros lugares”

FM Mas vamos ao seu trabalho. Deixa eu te perguntar sobre “Hansel e Gretel” (João e Maria). Preciso lhe dizer que, quando criança, eu era obcecado com essa história. Existe uma versão de 1987 deste filme…

AG Sério? Eu nem sabia que tinham feito um filme. Eu preciso ver isso.

FM Sim. Minha família tinha isso em VHS. Era meu filme preferido e eu sabia de cor várias falas dos personagens… É bem legal. Mas qual a sua ligação com essa história?

AG Para ser honesto, escrevi a música (“Gretel) primeiro e só depois percebi o quanto era similar à história de Hansel and Gretel. Eu acho que a minha conexão com essa história é a mesma de muitas pessoas. Eu a conheci quando era criança, depois esqueci dela… Eu gosto daquela ideia de que você é forçado a comer até você você estar gordo o bastante para, então, ser comido. É um conceito legal. Rs.

FM “Gretel” tem também uma referência a “The Good Life”, do Weezer, certo?

AG Wow. Eu não sei. Talvez. Nunca tinha parado pra pensar.

FM É aquela que diz “It’s time I got back, it’s time I got back/And I don’t even know how I got off the track/I wanna go back, yeah”. Eu poderia jurar que era uma referência. Rs

AG Wow. Conheço essa música. Eu juro, não tinha percebido o quanto a letra é parecida. É ótima essa música. Sabe, muitas vezes ouço uma música, esqueço dela, e depois quando vou tentar fazer a minha própria música, acidentalmente acabo “roubando” pequenas partes. Tenho certeza de que toda canção tem uma parte de alguma outra canção, você me entende?

“Às vezes eu até evito de gravar uma demo porque eu sei que depois eu vou gostar mais dela do que se eu gravar ela direito”

FM Com certeza. Acredito nisso também. E o seu processo de composição? Tem algum método mais frequente?

AG Acontece de diferentes maneiras. Na maioria das vezes, eu tenho a progressão de acordes e o ritmo para a melodia da letra, mas ainda não tenho a letra. Então vou preenchendo com algumas sílabas, como “la la la” “da da da”, e o processo de pensar nas palavras certas para se encaixarem no ritmo.

FM O negócio é anotar onde der. Meus blocos de notas são uma bagunça.

AG Eu tenho muitas anotações em livros e em documentos no computador e celular. Se eu tenho ideia de uma ou outra palavra que soam bem, já anoto só pra não esquecer.

FM Eu tenho uma curiosidade sobre seus vocais. Eu amo a maneira como os backing vocals flutuam. Eles vêm e depois se vão. Isso me encanta muito e é algo que eu gostaria muito de fazer também. Você gasta muito tempo ou leva mais na espontaneidade?

AG Eu gasto MUITO tempo. Não tenho muitas habilidades como cantor, sabe? Tenho que ficar cantando de novo e de novo e de novo até que esteja tão bom quanto eu queria, embora nunca vá estar perfeito, eu acho. É complicado porque às vezes eu tenho a melodia vocal na minha cabeça e quando eu vou cantar não sai tão bom. Acho que na minha cabeça eu imagino ter uma voz bonita, mas aí quando eu vou cantar… Rs

FM Para com isso. Rs. Inclusive isso é a coisa que mais gosto na sua música. Eu amo o jeito como o Jake Portrait mixa as vozes, tanto nos seus discos quanto no Unknown Mortal Orchestra.

AG Sim, essa é uma parte muito importante.

FM Uma coisa que me acontece muito é ficar viciado na versão demo das minhas músicas e não querer mudá-las mais tarde.

AG Eu também!!! Você usa o “Voice Memo” (aplicativo de gravador de voz do iPhone)?

FM Exatamente ele. Rs. Isso acontece muito com você também?

AG Tem alguma coisa que acontece ali que acaba sempre soando melhor do que quando a gente usa um microfone de verdade. Rs. Vai saber qual é a mágica… Às vezes eu até evito de gravar uma demo porque eu sei que depois eu vou gostar mais dela do que se eu gravar ela direito.

FM Vendo seu Bandcamp, eu estava pensando sobre o Myspace. Você perdeu algum material quando o site acabou?

AG Perdi, mas acho que pouca coisa. Eu usava o computador dos meus pais para postar as músicas no Myspace e depois esquecia onde estavam os arquivos. Em certo ponto o Myspace se foi e o computador quebrou.

AG Mas eu acho que a maioria das produções das quais eu realmente me orgulhava eu enviava por email para as pessoas, então pode ser que elas ainda estejam em algum lugar por aí.

FM Dentre todos os seus lançamentos, você consegue escolher um só disco e uma só faixa como seus favoritos?

AG O último (House of Sugar). E no meio dele, tem a minha música favorita, “Sugar”. A instrumentação é bem estranha. Acho que gosto mais dela porque ela é mais divertida pra mim, ela foge do normal e eu gosto de explorar isso.

FM O que passa pela sua cabeça quando pensa em alguém que é seu fã o bastante pra ouvir todos os seus lançamentos, conhecer todas as músicas? Você pessoalmente é fã de alguém ou alguma banda a esse ponto?

AG Na minha experiência pessoal, dez anos atrás, quando tinha meus dezesseis anos, eu ouvia música o tempo todo, sem parar. Mas agora, sinto que sou menos obcecado com isso, sabe? Eu acho que quando você envelhece, você não fica procurando mais pela sua identidade em outros lugares. Você passa a ter a sua identidade e a música vai se tornando uma parte menor disso.

FM Depois de trabalhar com nomes como Frank Ocean e Daniel Lopatin (Oneohtrix Point Never), você apontaria alguém com quem um dia gostaria de colaborar em um álbum ou turnê?

AG Estou feliz em como as coisas estão acontecendo, mas no momento não consigo apontar alguma coisa como “meu favorito” e que me faça almejar alguma parceria agora.

FM Outra parceria que eu adorei ter visto que aconteceu foi você tocando ao lado do Duster. Combina muito.

AG Foi curioso. O baixista deles estava tocando com a Jay Som e a gente estava numa turnê abrindo para o Built To Spill. Então ele virou e falou: “vocês precisam ouvir a minha antiga banda, o Duster”. Aí nós contamos que já gostávamos muito do som deles.

FM Alguns amigos meus sabem tocar várias músicas no violão, ficam brincando com as afinações como você. Você ainda senta na frente do seu PC pra ficar tocando músicas de outros artistas?

AG Não faço isso com frequência mais. Normalmente se eu pego é pra tentar compor alguma coisa. Sou muito preguiçoso. Rs

FM Gostaria de indicar alguma coisa que que ouviu, viu ou leu recentemente?

AG Voltei a ouvir bastante Mark Kozelek. Um filme que me marcou foi o Annihilation (2018), que conta uma história um meteorito causa mudança no DNA de algumas criaturas e isso causa vários problemas. É cheio de cores, maluco e surreal. Livro, eu recomendo o 2666, do Roberto Bolaño. É muito longo, mas muito legal. É difícil de descrever porque é diferente de tudo que já li. A história não é linear, mas é muito cativante. Achei isso incrível. ☺

Gostou? Temos também essas outras matérias

Nos horizontes de Saskia

A artista recusa e atualiza o gentílico “gaúcha”, plana por rotas tortas e dá vida a uma nova persona artística no EP Quarta