1972: discos clássicos completam 50 anos 

Reunimos algumas produções de um dos anos mais férteis da música do país, que ainda ecoam no que é feito hoje

Texto Lucas Vieira
Foto Divulgação

Com mudanças políticas e culturais no Brasil, o ano de 1972 foi significativo para a carreira de muitos artistas brasileiros. Não à toa, álbuns lançados nesta data são títulos garantidos em listas que elencam os discos mais importantes da música nacional. Completando cinco décadas em 2022, saiba mais sobre algumas dessas obras inesquecíveis:

Back in Bahia

O ano de 1972 começa com a volta de Caetano Veloso e Gilberto Gil do exílio. De Londres, Caetano trouxe Transa, disco marcado pela sonoridade baiana somada às colagens musicais e literárias. Na obra, o músico reforça sua identidade brasileira mesmo em álbum cantado majoritariamente em inglês, onde cita Mestre Pastinha (“Triste Bahia”, feita a partir de poema de Gregório de Matos) e Dorival Caymmi (“It’s A Long Way”), entre outros compositores e canções tradicionais de domínio público. Hoje um de seus LPs mais cultuados, o “disco-objeto” teve produção de Jards Macalé, que também em 1972 lançou seu primeiro trabalho solo, que tem canções como “Revendo Amigos” e “Farinha do Desprezo”.

De volta ao Brasil, Gilberto Gil gravou Expresso 2222, álbum lançado em julho daquele ano em que passou também a tocar guitarra e assumiu o posto de “band leader”, como ele mesmo define. Na obra, o cantor eletrificou ritmos nordestinos com arranjos pop, falou sobre o tempo (“Expresso 2222”), a era hippie (“O Sonho Acabou”) e a filosofia oriental (“Oriente”), além de homenagear a Banda de Pífanos de Caruaru (“Pipoca Moderna”) e Jackson do Pandeiro (“O Canto da Ema” e “Chiclete Com Banana”).

A música negra pede passagem

Quem também voltou ao Brasil em 1972 foi Elza Soares, após temporada na Itália, para se afastar do moralismo da sociedade que a condenava por seu relacionamento com o jogador de futebol Garrincha. Em seu retorno, gravou Elza Pede Passagem, LP em que mistura samba e funk através dos arranjos do pianista Dom Salvador, executados pelo Conjunto Abolição, que incluía o baixista Rubão Sabino e o saxofonista Oberdan Magalhães.

Ostentando emblemático cabelo black e calça boca de sino, Elza aparece na capa do disco como um símbolo da negritude brasileira. O som balançado de faixas como “Cheguendengo”, “Saltei de Banda” e “Pulo, Pulo” mostravam a cantora com frescor moderno, no mesmo momento em que artistas como Tim Maia e Cassiano cantavam a música soul com características nacionais. Também em 1972, Toni Tornado lançou seu segundo disco, influenciado pela música negra norte-americana e entregando grandes canções como “Eu Duvido Muito” e “Podes Crer, Amizade”.

O tríplice mistério do stop

Depois do primeiro disco e de dois compactos guiados pelo rock, lançados entre 1970 e 1971, os Novos Baianos seguiram outro direcionamento em sua carreira após um encontro com o bossa-novista João Gilberto. Saindo do apartamento em Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro, e transformando o Sítio do Vovô, em Vargem Grande, em uma comunidade hippie, a banda produziu as músicas de Acabou Chorare, LP histórico em que essa gente bronzeada mostrou seu valor.

Com samba (“Swing de Campo Grande”), rock (“Tinindo Trincando”), baladas pop (“Preta, Pretinha”), canções reflexivas (“Mistério do Planeta”) e até incursão pela música instrumental (“Um Bilhete Pra Didi”), os discípulos de João refinaram sua harmonia e quebraram tudo no retrato mais fiel da contracultura à moda brasileira, com a poesia de Moraes e Galvão, as vozes poderosas de Paulinho Boca de Cantor e Baby (então “Consuelo”, hoje “do Brasil”) e o som virtuoso do conjunto A Cor do Som.

Venha até a esquina

Milton Nascimento já era um destaque na MPB quando decidiu gravar um disco com Lô Borges, um jovem músico então com 20 anos com quem possui forte amizade. Apesar de os dois assinarem a autoria do álbum, Clube da Esquina é também de muitos outros autores. Os compositores Ronaldo Bastos, Márcio Borges, Fernando Brant e os músicos Beto Guedes, Robertinho Silva e Wagner Tiso são alguns desses nomes que formavam um verdadeiro clube, cujas reuniões na esquina da casa da família Borges resultaram em músicas inesquecíveis.

Dessa amizade, nasceu o álbum que abriu portas para uma geração de músicos mineiros que, no começo dos anos 1970, apresentava uma nova forma de fazer música, adicionando elementos de jazz, Beatles e psicodelia a ritmos tradicionais brasileiros, em especial a sonoridade de Minas Gerais. Com horas sobrando no estúdio após a gravação de Clube da Esquina, Lô Borges pôde também produzir ao lado dos amigos seu primeiro LP solo, apelidado de “Disco do Tênis”, outro disco clássico da música mineira.

Rita Lee foi passear

Já afastados dos tropicalistas, em 1972 Os Mutantes estavam mergulhados na psicodelia, entusiasmados com festivais ao ar livre, equipamentos sonoros, drogas e rock progressivo. No viajante Mutantes e Seus Cometas Nos País dos Baurets, o quinteto paulistano foi ao limite com arranjos vocais inesquecíveis (“Rua Augusta”), canções pesadas (“Dune Buggy”), e letras de duplo sentido (“Vida de Cachorro”), chegando a ter problemas com a censura (“A Hora e A Vez do Cabelo Nascer”). Com o clássico “Balada do Louco”, fizeram uma das primeiras gravações de sintetizador e cítara do Brasil.

Depois de lançarem seu quinto álbum – Tecnicolor, gravado em 1970, só chegaria às lojas em 1999 –, a banda ficou sabendo da abertura do estúdio Eldorado, o primeiro com uma mesa de gravação de 16 canais do Brasil. Como a gravadora não lançaria outro LP dos Mutantes no mesmo ano, o quinteto usou a carta na manga de gravar o segundo disco solo de Rita Lee, previsto em contrato, para aproveitar a nova tecnologia que o espaço disponibilizava. Assim surgiu Hoje É O Primeiro Dia Do Resto da Sua Vida, marcado como a última gravação da fase clássica do grupo, que se encerraria com a saída da vocalista após o lançamento do vinil.

A melancolia da “Pimentinha”

Elis Regina começou os anos 70 lançando dois álbuns com a produção de Nelson Motta (Em Pleno Verão em 1970 e Ela em 1971). Em seguida, em 1972, a já consagrada artista deu início a uma das fases mais brilhantes de sua carreira, ao lado do arranjador e companheiro César Camargo Mariano. Com fino repertório selecionado ao lado de Roberto Menescal, o LP Elis traz a “Pimentinha” em clima introspectivo, com canções melancólicas e a adesão de novos compositores à sua obra.

O LP traz músicas das duplas então iniciantes Fagner e Belchior (“Mucuripe”), João Bosco e Aldir Blanc (“Bala Com Bala”) e Guarabyra e Zé Rodrix, que compuseram “Olhos Abertos” e no mesmo ano formaram o trio com Luiz Carlos Sá, lançando o álbum Passado, Presente e Futuro. Também do pianista do rock rural, a gaúcha grava neste disco o clássico “Casa No Campo”. Com interpretações inesquecíveis de “20 Anos Blue” e “Nada Será Como Antes”, além da primeira gravação de “Águas de Março“, Elis é uma obra fundamental na carreira da Pimentinha.

Lava que cobre tudo

Em 1972 Paulinho da Viola lançava seu quinto disco. Embalado pela famosa “capa sanduíche” da Odeon, Dança Da Solidão traz o carioca com repertório que reuniu a nata dos compositores de samba com arranjos refinados, escritos pelo maestro Lindolfo Gaya. O sambista assina seis canções do álbum, enquanto a outra metade traz a autoria de Wilson Batista, Geraldo das Neves, Nelson Cavaquinho, Cartola, Nelson Sargento e Monarco, colorindo a obra de azul e branco e também de verde e rosa.

Paulinho da Viola reúne no LP vários ritmos populares, como o choro (“Coração Imprudente”) e o samba-exaltação (“Passado de Glória”). Representando o partido alto, “Pagode Do Vavá” tornou-se um grande clássico, assim como a faixa-título, gravada posteriormente por Beth Carvalho e também por Marisa Monte. Uma das gravações que popularizou Cartola na década de 1970, “Acontece” marca o disco com seu tom triste. Uma coletânea do que o samba entregou de melhor naquele momento, Dança da Solidão é disco indispensável de 1972.

Outros artistas como Taiguara, Maria Bethânia, Quarteto em Cy, Erasmo Carlos, Quinteto Violado e as duplas Alceu Valença e Geraldo Azevedo e Antônio Carlos e Jocafi também lançaram discos antológicos em 1972. A qualidade artística e a importância histórica de muitas dessas obras – nem todas listadas aqui – mostram que, se 1972 tivesse um título, definitivamente, seria “O ano dos clássicos”.

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